quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

ESFERA CELESTE
O primeiro passo para dentro do Universo

Homem atravessando a esfera celeste

Até o século XVII pensava-se que o mundo era finito e que as estrelas estavam todas fixas, imóveis, na superfície de uma esfera: a esfera celeste.

Pensava-se que as estrelas se situavam todas a igual distância da Terra, estavam sobre a esfera celeste, para além de Saturno, o último planeta conhecido na época. Só depois se começou a supor que havia mais mundo e que as estrelas estavam a diferentes distâncias de nós.

De fato, as outras estrelas estão muito para além do Sistema Solar. A estrela mais próxima de nós, depois do Sol, é chamada de Alfa Centauro, e encontra-se a uma distância de 40,85 milhões de milhões de quilômetros, ou 4 anos-luz de distância da Terra, o que significa que a luz dessa estrela demora quatro anos para chegar até nós. Do mesmo modo, a Lua está a 1 segundo-luz, porque o luar demora um segundo para chegar até nós, e o Sol está a 8 minutos-luz, porque a luz solar demora oito minutos para chegar à Terra.

Se a estrela Alfa Centauro se apagasse agora passariam 4 anos antes de sermos capazes de perceber.

Nos rastros dos primeiros observadores astronômicos, os sumerianos, na Mesopotâmia, o começo da astronomia chinesa era religioso e místico. Seus astrônomos-sacerdotes (título  dado aos observadores do céu que possuiam o poder e conhecimento de previsões místicas) eram encarregados de vigiar o céu e anunciar ao imperador todos os fenômenos que observavam: meteoros, cometas e estrelas.

Uma destas observações registrou um fenômeno excepcional, que foi um dos divisores de águas para, mais tarde, quebrar a crença na ideia de um céu imutável difundido por Aristoteles:

Durante o primeiro ano da Era Chich-Ho, uma estrela apareceu no céu, há algumas polegadas da estrela Tien Kuan. Apenas depois de mais de um ano, esta estrela deixou de ser visível. A data registrada pelo astrônomo chinês, de acordo com nosso calendário, era a de 4 de julho de 1054.

A nova estrela, um objeto próximo à estrela Zeta, da constelação de Touro, apesar de ter sido vista pelos povos ocidentais, não foi registarda como um fenômeno real, pois o filósofo grego Aristóteles (384 a 322 a.C.) considerava o céu como imutável, além da esfera lunar. O pensamento Aristotélico regia as mentes da época.

Esta misteriosa estrela desapareceu, e os homens se esqueceram de suas existência. Os séculos foram passando até que no século XVIII, o astrônomo francês Charles Messier (1730-1817), em Paris, registrou em seus catálogos uma pequena nuvem junto à estrela Zeta de Touro. Um século mais tarde, o astrônomo inglês Lord Ross (1800-1867), através de um possante telescópio reobservou a nuvem de Messier, denominada Luminosa de Carangueijo em virtude de sua forma.

Mais tarde, no século XX, com os modernos progressos de pesquisa astronômica, os astrônomos determinaram a velocidade da expansão dos gases nos bordos dessa nebulosa e concluíram, pela taxa de expansão, que se tratava do resto de uma estrela que explodiu há 800 ou 900 anos, exatamento como os chineses haviam descoberto.

O fato é que os sacerdotes chineses, como não sofriam a auto-censura da ideia aristotélica de um céu imutável, puderam perceber e deixar sua contribuição.


Na Europa, quase na Idade Média, os grandes pensadores viviam das ideias aristotélicas, o que o mestre havia escrito era irrefutável.

Nesta época, o modelo de universo aceito era o do astrônomo grego Cláudio Ptolomeu (90-168 d.C.), segundo o qual a Terra ocupava o centro do cosmo, modelo geocêntrico. Os movimentos dos astros se faziam em órbitas circulares, pois o círculo era de todas as formas a mais perfeita e, portanto, a mais divina delas.

O filósofo grego Aristarco de Samos, que viveu na Grécia no século II a.C., já possuia um olhar sofisticado para a época, e tentou ensinar que o Sol era o centro do universo (mais a frente este vai ser o caminho evolutivo para o conhecimento atual), mas com o tempo suas ideias foram abandonadas e esquecidas.

O pensamento de Samos colocava o homem, “ser máximo da criação divina”, numa posição de segundo plano, uma ideia muito deslocada de seu tempo,  razão pela qual as gerações que se sucederam não lhe deram importância, esquecendo-a.

Foram precisos longos 15 séculos para que as ideias desenvolvidas na Grécia, onde surgiu o primeiro conceito de cosmo, e o método científico de investigação fossem retomados no Renascimento, no século XVI, quando a doutrina rígida de Aristóteles começou a ser substituída por um processo de pensamento mais amplo e menos doutrinário, como o dos seguidores dos filósofos gregos Pitágoras (582–497 a.C.) e Platão (427–347 a.C.).

De fato, o conceito platônico consistia no ajustamento progressivo do nosso mundo interior de idéias e formas de pensar com o mundo exterior dos fenômenos – método contrário à aceitação de crenças.

Apesar dos erros, foram os gregos que, afastando as idéias místicas, adotaram uma linguagem útil e extremamente consistente, que tornou possível, de modo gradativo, a compreensão dos fenômenos cósmicos.
No século XV, o novo espírito científico conduziu a uma redescoberta dos autores gregos. Foi deles que o astrônomo polonês Nicolau Copérnico (1473-1543) serviu-se para iniciar as séries de ideias que deram origem à sua obra sobre as Revoluções dos Corpos Celestes em 1543.

Copérnico propôs a teoria do Heliocentrismo, que colocou o Sol como o centro do Sistema Solar, contrariando a então vigente teoria geocêntrica que considerava a Terra como o centro.

Apesar de existir na época uma tendência para refutar a doutrina aristotélica, Copérnico, em toda a sua vida, não se afastou da ideia da perfeição do movimento circular, recusou-se mesmo a supor a existência de outra forma de movimento. Para o filósofo da ciência, Thomas Kuhn, é exatamente na ruptura que Copérnico mostra mais claramente sua dependência com relação à tradição.

Ou seja, apesar da investigação científica de Copérnico em sua teoria heliocentrica, o historiador da ciência Arthur Koestler, em sua magnífica obra "Os Sonâmbulos", afirma que Copérnico esforçou-se ao máximo para encaixar o movimento da Terra dentro de uma estrutura baseada na física aristotélica. Mas, segundo Koestler, era como encaixar um dispositivo turbo-propulsor em uma velha diligência em ruínas.

Copérnico teria sido, na verdade, o último dos aristotélicos entre os grandes homens da ciência.

Tal qual o Universo aristotélico, o Universo de Copérnico é composto de esferas e, o que é igualmente significativo, finito. Para além da esfera das estrelas fixas nada existe. O Universo está restrito ao interior dela. Copérnico, porém, deu um passo fundamental ao deter o movimento da esfera das estrelas fixas e ao ampliar consideravelmente o raio da esfera do universo em comparação com a concepção medieval. Mas restava dar um passo maior, indo de um universo muito grande para o universo infinito. Tal passo ele jamais ousou dar.
Foi preciso que aparecesse o astrônomo e astrólogo alemão Johannes Kepler (1571-1630) para que as leis do movimento dos planetas fossem conhecidas. Fundamentando-se nas observações do planeta Marte, ultra-precisas para a época, do astrônomo dinamarquês Tycho-Brahe (1546-1601), Kepler decifrou o então complexo movimento dos planetas, demonstrando a sua natureza elíptica.

A contribuição de Tycho-Brahe foi enorme do ponto de vista aristotélico, que também teve seus méritos, segundo o qual havia uma matéria celeste e outra sublunar. A observação do cometa de 1577 lhe permitiu supor que os cometas descrevem uma curva regular ao redor do Sol. Assim, as leis da física terrestre, de natureza sublunar, não poderiam ser aplicadas aos corpos celestes situados além da lua. Ao provar que os cometas de 1577 e a supernova de 1572 eram fenômenos celestes que ocorriam no mundo supralunar, Tycho-Brahe provocou uma das maiores revoluções nos conhecimentos astronômicos.

Estabeleceu-se um sistema de mundo misto entre o sistema geocêntrico de Ptolomeu e o heliocêntrico de Copérnico – o que proporcionou a Brahe perseguições e este teve de deixar sua pátria.

Na mesma época, o italiano Galileu-Galilei (1564-1642), ao dirigir seu telescópio para o céu, descobriu que a Via-Láctea era formada de estrelas, o Sol estava coberto de manchas e o planeta Júpiter, com seus satélites, constituía um minissistema planetário. Com Galileu, toda uma ciência dogmática teve um fim – surgiu uma nova astronomia experimental, que iria abalar não só os homens de ciência, mas também a própria teologia, que procurou dogmatizar a ciência.
O motivo da teoria Aristotélica ter se mantido por tanto tempo e com tamanho vigor se dá a partir de sua lógica experienciada, tão comum à associação e crença humana. A Teoria fala detalhadamente sobre a relação entre supostos 4 elementos sublunares e 1 elemento supralunar que constituiria tudo o que existe. Fala sobre as suas dinâmicas, como eles impactavam na Terra e como eles eram, em muitos casos, atraídos entre si por forças não especificadas.

Para Aristóteles, a esfera da lua divide o universo em duas regiões completamente diferentes, povoadas por diferentes tipos de matéria e sujeitas a leis diferentes. A região terrestre ou mundo sublunar na qual vive o homem é imperfeita, sujeita a mudanças e variações. A região celeste ou mundo supralunar é eterna, imutável e perfeita. As esferas celestes movem-se natural e eternamente em círculos, ocupando sempre a mesma região do espaço.

Segundo Aristóteles, todos os elementos do Universo sofreriam a ação de uma força para cima ou para baixo.

Para entender melhor essa distinção, é preciso considerar a teoria aristotélica do movimento. Todo movimento simples é ou retilíneo (para longe do e em direção ao centro) ou circular (em torno do centro). No que diz respeito ao mundo sublunar, o conceito básico para se entender o movimento é o de lugar natural, que é aquele no qual naturalmente um corpo está ou ao qual volta quando dele é afastado. Fato que, supostamente, aconteceria com os elementos.

Aristóteles ensinava que o universo era composto de inúmeras esferas concêntricas, a menor delas sendo a Terra, e a maior a das estrelas fixas. Cada um dos planetas, o sol e a lua estão contidos numa esfera. Os elementos que compunham a Terra, sublunar, eram diferentes daqueles que compunham o céu e o espaço exterior, supralunar. A maior parte da dinâmica dos movimentos era determinada principalmente pela natureza e características próprias das substâncias que constituíam o objeto movente.

Aristóteles acreditava que os quatro principais elementos, ou compostos, que modelavam o planeta Terra eram a terra, o ar, a água e o fogo (O termo "terra' refere-se a um elemento puro que Aristóteles teorizou, e não o planeta Terra, que é conhecido pela ciência moderna por ser composto de um grande número de elementos químicos. O mesmo vale para as outras terminologias utilizadas: "ar" se refere a um elemento puro do ar, ao contrário do ar que se encontra na atmosfera terrestre, que também é composto por muitos elementos químicos).

Aristóteles também declarou que todo o céu e cada fração de matéria pertencente ao universo eram formados a partir de um quinto elemento, chamado por ele de "éter", o qual era supostamente leve e incorruptível. O éter era conhecido como a quinta substância.

Substâncias pesadas como o ferro e os metais eram consideradas como constituídas principalmente pelo elemento terra, mas numa quantidade limitada de matéria proveniente de outros elementos. Já outros objetos menos pesados e/ou densos foram pensados como sendo menos terrestres, compostos por uma mistura mais intensa de outros elementos. Os seres humanos seriam constituídos por todas as substâncias, com exceção do éter, mas a proporção relativa entre os elementos era única para cada pessoa, não havendo nenhuma quantidade padrão para cada uma.

Aristóteles dizia que tudo o que era composto de matéria sólida era empurrado para o centro da Terra (água, terra), e tudo o que era composto de elemento gasoso era empurrado para o espaço (fogo, ar) – levando em consideração a força que os atrairia e faria retornar ao seu lugar de natureza.

Aristóteles defendia que cada um dos quatro elementos mundanos buscava uns aos outros e se aglomerava, tão natural como dois ímãs.

O fogo produz fumaça, uma vez que a fumaça era basicamente composta por ar, ela subiria naturalmente para encontrar o ar no céu. Também era ensinado que os objetos e a matéria só poderiam se mover enquanto houvesse uma forma de energia forçando em uma determinada direção. Por esta razão, se todas as forças aplicadas nas proximidades da Terra fossem eliminadas, como no lançamento de uma pedra, então nada poderia se movimentar.

A teoria aristotélica da gravidade afirmava que todos os corpos se movem em direção ao seu lugar natural. Para alguns objetos, Aristóteles afirmou que o lugar natural tinha de ser o centro da Terra, e, portanto, eles cairiam em direção a ela. Para outros objetos, o lugar natural seria a esfera celeste e, como tal, gases — ou vapores, por exemplo — afastavam-se do centro da Terra em direção ao céu e à Lua. A velocidade desse movimento era suposta proporcional à massa do objeto – um dos erro que permitiu a Galileu Galilei uma importante descoberta e desmistificação do pensamento aristotélico.

Galileu corrigiu a Aristóteles ao lançar objetos de massas diferentes ao mesmo tempo e da mesma altura. Desprezando as diferenças devido ao arraste do ar, Galileu observou que todas as massas aceleravam igualmente.

Para Aristóteles, a tendência natural dos corpos era o repouso. Assim, o movimento era resultado da ação de força (ou forças) e uma vez que se cessassem a aplicação de tais forças os corpos retornariam para o estado de repouso. Em outras palavras, só há movimento se houver força aplicada.


Galileu e Newton propuseram nova lei. Pela Primeira Lei de Newton (Lei da Inércia) um corpo tende a permanecer em seu estado (quer em repouso quer em movimento) sob condição de força resultante nula.

Isto significa que se houver movimento e não houver força aplicada sobre o corpo ou se a resultante de todas as forças que atuem sobre o corpo for nula, então o estado de movimento será mantido. Assim, a tendência natural de um corpo não é o repouso e sim o estado atual.

Mas a teoria de Aristóteles já havia sido antes derrubada de forma convincente através do trabalho do próprio Galileu Galilei – esta foi a primeira vez que foi conjecturada.

Usando um telescópio, Galileu observou que a Lua não era totalmente lisa, e sim que havia crateras e montanhas, contrariando a ideia aristotélica de uma Lua incorruptível perfeitamente lisa.

Galileu também criticou este conceito de forma teórica dizendo que uma Lua perfeitamente lisa que refletia a luz de forma desigual, como uma bola de bilhar brilhante, de modo que as bordas do disco lunar teriam um brilho diferente do ponto onde um plano tangente reflete a luz solar diretamente para os olhos, deu lugar a uma lua áspera e montanhosa que reflete a luz igualmente em todas as direções, cobrindo o disco lunar com aproximadamente o mesmo brilho que é observado.

Galileu também observou que Júpiter possui luas, ou seja, outros objetos giram em torno de uma entidade diferente da Terra. Ele observou as fases de Vênus, demonstrando de forma convincente que Vênus, e por conseguinte Mercúrio, viajam ao redor do Sol, e não da Terra.

Assim, o reinado dos conceitos da física aristotélica perdurou por quase dois milênios e foi a base de todas as teorias especulativas mais antigas conhecidas da física, mesmo depois de ser comprovado a não viabilidade da teoria. Suas idéias prevaleceram até o século XVII, talvez até mais, uma vez que seus conceitos ainda foram lecionados nas universidades da época. O modelo de Aristóteles para a física foi o principal obstáculo acadêmico para a criação da ciência física moderna, mesmo muito depois da morte de Aristóteles.

Mesmo dentro da ciência, faz-se necessário criar condições para a liberdade perceptiva, não aceitando nenhum tipo de fé. Toda esta história, devidamente registrada, tem o dever de nos ensinar (lembrando Platão), a necessidade do ajustamento progressivo do nosso mundo interior de idéias e formas de pensar com o mundo exterior dos fenômenos.

Um comentário:

  1. "Não há certeza!"

    Acho que essa deve ser a maior motivação da ciência, justamente por esta frase ser paradoxal.
    O máximo que podemos fazer é diminuir a incerteza, a questão é: até onde vamos?

    Abraço.
    Daniel.

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