JAMES RANDI O caçador de charlatões

O mágico ilusionista James Randi (Randall James Hamilton Zwinge ), ou “O Incrível Randi”, como passou a ser conhecido, é um dos maiores combatentes da pseudociência. Desde a adolescência desenvolve o seu senso crítico e céticismo, sempre com grande interesse em desbancar o paranormal.

Talvez seu maior reconhecimento seja pelo "One Million Dollar Paranormal Challenge" ("Desafio Paranormal de Um Milhão de Dólares"), onde ele, através da James Randi Educational Foundation, pagará um milhão de dólares a qualquer pessoa que demonstrar alguma evidência da existência de evento paranormal, sobrenatural ou de poderes ocultos.

Até hoje ninguém foi capaz de passar nos testes realizados por Randi e levar a fortuna. Todos foram desmistificados pela sua multidisciplinar equipe de cientistas e ilusionistas, ou simplesmente falharam ao tentar aplicar seus poderes paranormais.

Mas neste texto transcorreremos sobre certa vez que James Randi esteve envolvido em um famoso e interessante evento de mediunidade que atingiu toda a Austrália. Explicaremos o caso a seguir. 

No ano de 1988, os jornais, revistas, estações de rádio e emissoras de televisão da Austrália surpreenderam-se com uma grande notícia recebida por todos esses meios. Em um panfleto anunciava-se:

PANFLETO

“Aqueles que o viram, jamais esquecerão. O jovem e brilhante artista que lhes falava de repente parece vacilar, o seu pulso diminui de forma perigosa e virtualmente se detém no ponto da morte. O assessor médico qualificado, que tem a tarefa de exercer uma vigilância constante, está prestes a soar o alarme.

Mas, nesse momento, com uma explosão de fazer bater o coração, sente-se  o pulso de novo – mais rápido e mais forte do que nunca. A força vital claramente voltou ao corpo – mas a entidade dentro do corpo já não é Jose Luis Alvarez, o jovem de dezenove anos cuja original cerâmica decorativa é destaque em algumas das casas mais ricas da América do Norte. Em seu lugar, o corpo foi assumido por Carlos, uma alma antiga, cujos ensinamentos constituem tanto um choque, como uma inspiração. Um ser passa por uma experiência de morte para dar lugar a outro; esse é o fenômeno que tornou Carlos, canalizado por meio de Jose Luis Alvarez, a nova figura dominante na consciência da Nova Era. Como disse até um crítico cético de Nova York: “O primeiro e único caso de um canalizador que apresenta provas físicas tangíveis de alguma mudança misteriosa em sua fisiologia humana”.

Assim, em um press kit para a imprensa, explicava-se que Jose Alvarez sofreu um choque violento em um acidente de motocicleta aos 17 anos. Depois de recuperado, ele parecia diferente, e procurou a ajuda de um psiquiatra, que descobriu que o rapaz estava canalizando uma energia distinta chamada "Carlos". Quando Alvarez entrava em transe, o espírito de "Carlos", focalizado por um grande e raro cristal, assumia o corpo e proferia a sua sabedoria.

Junto com o kit, havia uma lista das principais apresentações de "Carlos": a recepção do mesmo na Broadway, uma entrevista em uma estação de rádio de Nova York, e outras informações que garantiam a veracidade e popularidade do fenômeno norte-americano.

Logo, Jose Alvarez e seu empresário foram calorosamente recebidos em Sydney, com tratamento de estrelas. Logo na primeira entrevista à imprensa, "Carlos" se manifestou. Uma figura vigorosa, instruída e dominadora. E logo os programas de televisão exigiam a presença de Alvarez, com seu empresário e seu enfermeiro, que checava o pulso e anunciava a presença de Carlos.

Em alguns programas, a autenticidade de Carlos foi questionada, e ele ficava ofendido, como todos os adeptos de sua veracidade.  Certa vez, o apresentador do Today Show foi amaldiçoado por Carlos, e encharcado com um copo d’água pelo empresário de Alvarez, fato que foi um verdadeiro escândalo na imprensa australiana.

Na apresentação ao público, o teatro lotou e uma multidão se viu extasiada, comovida e encantada com a presença de "Carlos".

No domingo seguinte, o programa mais popular da tv australianana na época – chamado "Sixty minutes" – revelava que o caso "Carlos" era apenas uma brincadeira, do começo ao fim. Os produtores, com a intenção de provar como seria fácil criar um guru ou curandeiro de fé para enganar o público e a mídia entraram em contato com James Randi, também especialista em enganar o público, pelo seu grande conhecimento em desmistificar pseudociências e paránormais.

De fato, Randi poder ser considerado o Pai do Grande "Carlos". Randi explica como tudo aconteceu:

RANDI

“O Canal 9 da Austrália me fez uma proposta para ver se nós poderíamos criar algo que iria provar aos Australianos que a mediunidade talvez fosse uma coisa duvidosa. Então, me surgiu a idéia de criar um canalizador. Eu disse: ‘Eu vou criar de qualquer um que você escolha, apenas alguém da rua, um canalizador.’ E eles disseram: ‘Bem, nós iremos lhe fornecer um ator’, e eu disse: ‘Não, não, nós não precisamos de um ator, nós só queremos mostrar que qualquer um pode fazer isso.’ Eles disseram: ‘Bem, você tem alguém em mente?’ e meu amigo Jose Oliver, que é um artista, estava perto na hora e eu perguntei à ele: ‘Você quer ir à Austrália?’ Ele disse sim, e eu disse: ‘Você terá que fazer algo estranho.(...)Você terá que ser um canalizador’, e ele perguntou: ‘Um canalizador? O que é isso?’ Eu disse: ‘Ótimo, você é perfeito.’ Então eu voltei para o telefone, e disse: ‘Sim, eu tenho o cara perfeito’.

Nós o treinamos para ser um canalizador. Tudo o que ele teve que fazer foi assistir a videotapes de outras pessoas falando com vozes estranhas, e ele pegou o jeito certo, e nós acabamos indo ao Sydney Opera House com uma considerável audiência lá, todos manuseando cristais e contas, e tudo mais, e com olhares fascinados em seus rostos, atraídas e cativadas por esse homem no palco, Jose Oliver fazendo o Espírito de Carlos que tinha 35.000 anos.

Ele se sentiu um completo idiota fazendo isso, especialmente porque todo o material que nós produzimos era falso. Nas notas de imprensa nós inventamos revistas, nós inventamos cidades e estações de rádio e canais de TV e tudo mais, que não existiam. E uma única ligação da mídia para os Estados Unidos teria revelado a coisa toda como uma farsa.”

Sobre a intenção de todo o truque publicitário de Carlos, Randi afirmou que além de  mostrar quão crédulas as pessoas podem ser quando o assunto é o sobrenatural, ou quão facilmente as pessoas podem ser pegas por um charlatão bem calculado, mostrou que a mídia pode ser, e é manipulada. 

Randi diz:

“Se você der a eles o tipo certo de motivação, eles irão salivar imediatamente. Nós montamos um folheto chamado "A Sabedoria de Carlos". Ele tinha afirmações como ‘Gravidade não é difícil de explicar; você vê que é mais fácil para as coisas caírem para baixo do que caírem para cima’ Nós dissemos coisas sem sentido. As frases não eram completas, a gramática era ruim, as coisas não eram continuadas na próxima página e tal, mas isso não fez nenhuma diferença para eles; eles perdoaram qualquer erro, qualquer coisa era aceita porque eram as palavras de Carlos”, disse o ilusionista. 

Sobre como se sentiu ao realizar a farsa, James Randi afirma:

“Você quer que pessoas mais jovens comecem a pensar criticamente. É um pouco divertido ver o que você pode revelar a elas e elas tiram boas risadas disso, mas você tem que parar suas risadas em um certo ponto e dizer "Peraí". As pessoas levam isso a sério, elas realmente acreditam que alguém pode olhar para uma colher e fazer ela entortar.” 

Todos nós, seres humanos, somos criaturas pensantes, mas, segundo Randi, esquecemos que nós temos esse poder de pensar racionalmente, de chegar à conclusões. 

“Nós achamos mais fácil aceitar algo que já está pré-digerido, então viramos para a mídia e aceitamos o que quer que seja atraente no momento. Esse é o jeito fácil. E, se você viver toda a sua vida assim, vai descobrir que você é um otário e irão tirar vantagem de você.”

Assim, podemos concluir quão crédulas as pessoas podem ser. E geralmente o são mesmo que as "provas" sejam falhas e fracas, ou mesmo que não existam. A natureza de se agarrar a algo extraordinário (fora do comum) e que atenda às espectativas ou necessidades humanas é lamentável.