sexta-feira, 3 de outubro de 2008

O Multidimensional



Começo este texto com a virtude cognitiva do princípio do filósofo Pascal, no qual a educação do futuro deverá se inspirar:

“Sendo todas as coisas causadas e causadoras, ajudadas ou ajudantes, mediatas e imediatas, e sustentando-se todas por um elo natural e insensível que une as mais distantes e as mais diferentes, considero ser impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, tampouco conhecer o todo sem conhecer particularmente as partes”.

O problema universal que a educação confronta-se é, nitidamente, os saberes desunidos, divididos e realidades subjetivas que estão cada vez mais afastadas umas das outras, e focadas para uma “verdade” cada vez mais falsa e distante do real.

O conhecimento das informações ou dos dados isolados é insuficiente. É preciso situar as informações e os dados em seu contexto planetário, multidimensional, interdisciplinar e complexo.

Unidades complexas, como o ser humano ou a sociedade, são multidimensionais: dessa forma, o ser humano é ao mesmo tempo biológico, psíquico, social, afetivo e racional. A sociedade comporta as dimensões histórica, econômica, sociológica, religiosa... O conhecimento pertinente deve enfrentar a complexidade. 

Complexus significa o que foi tecido junto; de fato, há complexidade quando elementos diferentes são inseparáveis constitutivos do todo (como o econômico, o político, o sociológico, o psicológico, o afetivo, o mitológico), e há um tecido interdependente, interativo e inter-retroativo entre o objeto de conhecimento e seu contexto, as partes e o todo, o todo e as partes, as partes entre si. Por isso, a complexidade é a união entre a unidade e a multiplicidade.

Segundo o antropólogo e sociólogo (entre várias outras formações acadêmicas) Edgar Morin, no ser vivo existe a presença do todo no interior das partes: cada célula contém a totalidade do patrimônio genético de um organismo policelular; a sociedade, como um todo, está presente em cada indivíduo, na sua linguagem, em seu saber, em suas obrigações e em suas normas. Desta forma, assim como cada ponto singular de um holograma contém a totalidade da informação do que representa, cada célula singular, cada indivíduo singular contém de maneira “hologrâmica” o todo do qual faz parte e que ao mesmo tempo faz parte dele.

A educação deve promover a “inteligência geral” apta a referir-se ao complexo, ao contexto, de modo multidimensional e dentro da concepção global.

H. Simon, professor interdisciplinar com uma grande carreira acadêmica, dizia que o desenvolvimento de aptidões gerais da mente permite melhor desenvolvimento das competências particulares ou especializadas. Ou seja, quanto mais poderosa a inteligência geral, maior é sua facilidade de tratar de problemas especiais. A compreensão dos dados particulares também necessita da ativação da inteligência geral, que opera e organiza a mobilização dos conhecimentos de conjunto em cada caso particular.

O conhecimento, ao buscar construir-se com referência ao contexto, ao global e ao complexo, deve mobilizar o que o conhecedor sabe do mundo. Este uso total pede o livre exercício da curiosidade, a faculdade mais expandida e a mais viva durante a infância e a adolescência, que com freqüência a instrução extingue e que, ao contrário, se trata de estimular ou, caso esteja adormecida, de despertar.

Em busca de estabelecer a inteligência geral dos indivíduos, a educação do futuro deve ao mesmo tempo utilizar os conhecimentos existentes, superar as antinomias (contradições entre princípios e o real) decorrentes do progresso nos conhecimentos especializados e identificar a falsa racionalidade (unidimensional e abstrata).

Efetivamente, a inteligência que só sabe separar, fragmenta o complexo do mundo em pedaços separados, fraciona os problemas, unidimensionaliza o multidimensional. Atrofia as possibilidades de compreensão e de reflexão, eliminando assim as oportunidades de um julgamento corretivo ou de uma visão a longo prazo. Sua insuficiência para tratar nossos problemas mais graves constitui um dos mais graves problemas que enfrentamos. De modo que, quanto mais os problemas se tornam multidimensionais, maior a incapacidade de pensar sua multidimensionalidade; quanto mais a crise progride, mais progride a incapacidade de pensar a crise.

De acordo com Morin o pensamento Ocidental encontra-se em um tripé, no qual três pensadores encaixam-se:

- Sócrates seguia a linha do verdadeiro conhecimento. Para ele, quem acha ou fala que sabe tudo, na verdade não sabe nada. O pensador confirmava o seu raciocínio com uma técnica simples. Ele começava a formular perguntas, para a pessoa que dizia que sabia de tudo, até que a pessoa não soubesse responder alguma pergunta. A conclusão é que, o pensar que “se sabe de tudo”, é na verdade a primeira evidência do mesmo erro, e ignorância.

Um ponto que eu gostaria de firmar, é que, embora a ciência muitas vezes crie pensamentos unidimensionais, as técnicas científicas são de uma eficácia esplendida – utilizando técnicas empíricas, dedução, indução, abdução e hipóteses a longo prazo -, e mesmo com tudo isso ela é escrita com lápis e borracha, ou seja, ela é lúcida o bastante pra aceitar erros e complementações.

- Platão defende o contemplar, ou seja, deveríamos buscar a evolução a vida toda, com a nobreza de que, mesmo sabendo que nunca alcançaríamos a verdade “real”, absoluta.
Porém, sem dúvidas, as pessoas que optarem por esse caminho, eterno e muito mais difícil, certamente receberão o maior e talvez mais pleno presente de todos: (esta citação é exclusivamente em meu nome, Eder Juno, e de minha namorada, amiga e também autora do blog, Kelly Conde) o conhecimento real e a sabedoria, com o qual poderão entender melhor a realidade e deixar de viver em uma prisão sem grades.

- Aristóteles defende que o ideal é sempre buscar o meio termo. Ele dá um exemplo sobre a imprudência, a coragem e a covardia. Eu vou citar um exemplo semelhante ao que meu professor de História da Arte e Comunicação comparada, Marcelo Matos, utilizou:

Se um sujeito estivesse em um assalto, acompanhado de sua namorada, seria imprudência ele tentar enfrentar o assaltante armado (criando o risco de ele e sua namorada serem baleados e até mortos).
Seria covardia, se ele pudesse fugir de lá e deixar a sua namorada no local.
Iria ser coragem, se o sujeito entregasse todos os seus pertences, e pedisse para que o assaltante não os machucasse e nem matasse, já que estavam cooperando, e levasse em consideração o que realmente é importante na situação: a vida dele e de sua namorada.

Defendendo a coragem, nem a imprudência (o risco não pensado) e nem a covardia (o prevalecimento do medo), é o ideal, sendo o meio termo o correto para o seu pensamento.

Aristóteles supõe haver sabedoria nessa situação intermediária, que nos inclina para o justo meio que às vezes se volta para o excesso e outras vezes tende para a falta. Pensar o justo meio em educação seria prescrever a ação sensata daquilo que, nos termos de Aristóteles, “não é demais nem muito pouco”. De modo que não devemos nos carregar de conhecimentos, e nem pegarmos pouco a ponto de não termos que nos enforcarmos, mas sim pegarmos o suficiente, porém aprendermos realmente e adquirirmos sabedoria, dar valor à cognição e ao qualitativo.


A complexidade, interdisciplinaridade e o multidimensional, devem acabar com a visão unidimensional ignorante, já que o atrofiar das possibilidades de compreensão e de reflexão elimina as oportunidades de um julgamento corretivo ou de uma visão a longo prazo.
A insuficiência para tratar nossos problemas mais graves constitui um dos maiores problemas que enfrentamos. Segundo Morin, uma inteligência incapaz de perceber o contexto e o complexo fica cega, inconsciente e irresponsável.

De fato, a hiperespecialização impede de ver o global, fragmentando-o em parcelas, bem como o essencial (que ela dilui). Ora, os problemas essenciais nunca são parceláveis, e os problemas globais são cada vez mais essenciais. 

Torna-se fácil a percepção da ignorância ao vermos quão manco é o conhecimento quando realizado com uma visão unidimensional.

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