quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Aprender a Compreender

Para alcançar a compreensão, é preciso compreender a incompreensão.



Atualmente acontece um grande problema – não tão nítido, mas de muita importância.
Enquanto as interdependências se multiplicam, e a comunicação atinge seu auge (com o planeta sendo atravessado por redes, celulares, modems, internet...), ao mesmo tempo a incompreensão permanece geral, e talvez encontre-se mais forte do que nunca.

Sem dúvida há vários e importantes progressos da compreensão, mas a incompreensão parece avançar ainda mais. O problema da compreensão tornou-se crucial para as pessoas.
O mundo dos intelectuais, escritores ou universitários, que deveria ser mais compreensivo, é o que mais se encontra sob o efeito da hipertrofia do ego, nutrido pela necessidade de consagração e de glória.

Nenhuma técnica de comunicação - do telefone à Internet - traz por si só a compreensão, já que não há como quantificá-la.
Educar alguém para compreender matemática ou uma disciplina determinada é uma coisa; educar para a compreensão humana é outra, tendo como condição e garantia a solidariedade intelectual e moral da humanidade.

O problema da compreensão tem dois aspectos principais:
O da compreensão entre humanos - encontros e relações que se multiplicam entre pessoas, culturas e povos de diferentes origens culturais.
E o das relações particulares entre próximos.
Estas estão cada vez mais ameaçadas pela incompreensão.

Quanto mais próximos estamos, melhor compreendemos?
Ou quanto mais estamos próximos, menos compreendemos?
A proximidade pode alimentar mal-entendidos, ciúmes, agressividades, mesmo nos meios aparentemente mais evoluídos intelectualmente.

A compreensão intelectual passa pela inteligibilidade e pela explicação.
A comunicação não garante a compreensão. Quando bem transmitida e compreendida, a informação traz inteligibilidade, que é uma condição necessária para a compreensão, mas não é suficiente.

Compreender significa intelectualmente apreender em conjunto (o texto e seu contexto, as partes e o todo, o múltiplo e o uno).
A explicação é necessária para a compreensão intelectual ou objetiva, sendo que explicar é aplicar todos os meios objetivos de conhecimento ao objeto que é preciso conhecer.
Mas a compreensão do sentido das palavras de outro, de suas idéias e visão do mundo está sempre ameaçada pelo “ruído” que parasita a transmissão da informação, cria o mal-entendido ou o não-entendido, e pela polissemia (uma noção que, enunciada com um sentido, é entendida de outra forma).

A compreensão humana ainda vai além da explicação, que é bastante para a compreensão intelectual ou objetiva das coisas anônimas ou materiais, mas insuficiente para a compreensão humana, que comporta um conhecimento de sujeito para sujeito.
Se vejo uma criança chorando, vou compreendê-la. Mas não por medir o grau de salinidade de suas lágrimas, e sim por buscar minhas aflições infantis e reconhecê-las na criança.
O outro não é percebido apenas objetivamente, mas como outro sujeito com o qual nos identificamos e que identificamos conosco.
Compreender inclui, necessariamente, um processo de empatia – se colocar no lugar do outro -, de identificação e de projeção.
A compreensão pede abertura, simpatia e generosidade.

Mas isso também não é tão fácil quanto parece – ou quanto deveria.
Há a incompreensão dos valores imperativos de outra cultura, como nas sociedades tradicionais (o respeito aos idosos, a obediência incondicional das crianças, a crença religiosa) em contraposição com nossas sociedades democráticas contemporâneas (o culto ao indivíduo e o respeito às liberdades).
Existe também a incompreensão dos imperativos éticos próprios a uma cultura e a impossibilidade na visão de mundo dos indivíduos de compreender as idéias ou os argumentos de outra visão de mundo.
Acima de tudo, é gigantesca a impossibilidade de compreensão de uma estrutura mental em relação a outra.

E além disso, o egocentrismo, o etnocentrismo e o sociocentrismo - que têm em comum se situarem no centro do mundo e considerar como secundário, insignificante ou hostil tudo o que é estranho ou distante - são obstáculos à compreensão.

O egocentrismo amplia-se com a renúncia aos desejos individuais impostos por vontade dos pais ou cônjuges. A incompreensão deteriora as relações pais/filhos e marido/esposa. Expande-se no cotidiano, provocando calúnias, agressões, desejos de morte...
Ao mesmo tempo, o etnocentrismo e o sociocentrismo nutrem xenofobias e racismos, podendo até mesmo negar ao estrangeiro a qualidade de ser humano.

Essa conjunção das incompreensões - intelectual e humana, individual e coletiva - constitui obstáculos maiores para a melhoria das relações entre indivíduos, grupos, povos e nações.

Compreender é viver, em primeiro lugar, compreendendo sem esperar do outro nenhuma reciprocidade, o que exige grande esforço: aquele ameaçado de morte por um fanático compreende por que o fanático quer matá-lo, mas sabe que ele jamais o compreenderá.
Compreender o fanático que é incapaz de nos compreender é compreender as raízes, as formas e as manifestações do fanatismo humano, porque e como se odeia ou se despreza.
Por isso, para alcançar a compreensão é preciso que se compreenda a incompreensão.

O bem-pensar (pensar em conjunto, multidimensionalmente, o complexo, as condições subjetivas e objetivas do comportamneto humano) e a introspecção (prática mental do auto-exame, compreensão de nossas fraquezas e faltas) favorecem a compreensão, juntamente com a consciência da complexidade humana, que nos faz ter compaixão e tolerância para com o outro.

Assim, a única e verdadeira mundialização que estaria a serviço do gênero humano é a da compreensão, da solidariedade intelectual e moral da humanidade.
As culturas devem aprender umas com as outras, se tornando todas culturas-aprendizes, pois compreender é, também, aprender e reaprender incessantemente.

A compreensão, ao mesmo tempo, é o meio e a finalidade da comunicação humana.
Necessitamos de compreensões mútuas, em todos os sentidos.
E acima de tudo, para que seja possível o desenvolvimento da compreensão, é preciso que haja primeiramente uma reforma das mentalidades.

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