“Foi a
linguagem que criou o homem e não o homem a linguagem, desde que se acrescente
que o hominídea criou a linguagem.” (Edgar Morin)
Desde os primórdios, as pessoas vêm
acreditando que se comunicam e tendo a forte convicção de compartilhar
experiências de vida, entender o outro e serem entendidas – simplesmente no ato
de pensar e falar. Mas suspeito que muito do que assinala-se tenha passado
despercebido, ou nunca tenha sido visto.
Não pretendo descobrir o que supostamente
esteja oculto sob a linguagem, mas abrir os olhos para ver e desvendar como ela
funciona e acontece na comunicação. Olhando por uma perspectiva
multidimensional, existe um caminho complexo e profundo, um abismo, entre uma
realidade e outra.
A natureza da comunicação e linguagem
surge, como o naturalista Charles Darwin pôde observar, através da expressão
das emoções no homem e nos animais. Denominando-a de linguagem das emoções, Darwin pôde perceber que estas não são
meramente ocasionais mas são constituídas todas através de linguagem. A
essência da linguagem é biológica.
A seleção natural é econômica, só
sobrevive e se mantém aquilo que se adapta ao ambiente com perfeito êxito.
Assim, é esta capacidade inata que a seleção natural proporcionou desde aos
animais inferiores até a nós, seres humanos - transmitir linguagem e sermos
compreendidos – mesmo que seja de forma bem primitiva. Esta capacidade inata da
expressão humana, ou linguagem das emoções,
é a essência de toda a linguagem que transborda no homem.
A origem da comunicação é imprecisa, mas
através de induções, imagina-se que os homens primitivos começam a comunicar-se
através de gritos ou grunhidos, como fazem os animais, ou talvez por gestos e
comandos, ou ainda pela combinação desses todos.
Percebendo a capacidade próxima à nossa
de falar, de alguns animais, imaginamos que os sons usados como linguagem eram
imitações de sons da natureza, como o cantar do pássaro e o trovão. Mas ainda,
nada impede que se pense também que o homem primitivo usasse sons produzidos
pelas mãos e os pés, e não só pela boca, pedras ou troncos ocos.
Pesquisas antropológicas mostram que a
capacidade de comunicação entre os membros de uma mesma tribo por meio da linguagem
foi de uma importância crucial no desenvolvimento do homem. Especialmente, os
movimentos expressivos da face e do corpo foram determinantes para o aumento do
poder da linguagem. No entanto, não há subsídios para saber se algum músculo
tenha sido desenvolvido em benefício da expressão.
Como observa o antropólogo Edgar Morin, a
organização social proporcionada a nós, seres humanos, pela linguagem, criou
condições para a nossa evolução biológica e cultural.
Independente da origem da comunicação, a
história nos mostra que os homens encontraram a forma de associar um determinado
som ou gesto a um certo objeto ou ação. Assim nasce o signo. A natureza da
linguagem é antes de tudo um signo. Um signo é qualquer coisa que conduz alguma
outra coisa a referir-se a um objeto ao qual ela mesma se refere de modo
idêntico. É qualquer coisa que busque representar outra. Charles Sanders Peirce,
pai da semiótica (estudo dos signos/imagens), definiu bem, de forma geral, os
tipos de signo:
- O ícone é um signo que mantém uma relação de
proximidade sensorial com o signo, representação do objeto - pintura,
fotografia, o desenho de um homem. Também possuiria o caráter que o torna
significante, mesmo que seu objeto não existisse, tal como um risco feito a
lápis representando uma linha geométrica.
(Peirce, Charles S.).
- O índice é um signo que de repente perderia seu caráter que o torna um signo se seu objeto fosse removido, mas que não perderia esse caráter se não houvesse interpretante. Tal é o caso de um molde com um buraco de bala como signo de um tiro, pois sem o tiro não teria havido buraco; porém, nele existe um buraco, quer tenha alguém ou não a capacidade de atribuí-lo a um tiro. (Peirce, Charles S.). O signo indicial indica alguma coisa - acontecido.
- Um símbolo se constitui em um signo simplesmente. Não possui natureza alguma por si só, podendo somente ser usado e compreendido através de regras e convenções. Tal é a palavra, e como uma palavra, está ligada a seu objeto por uma convenção de que deve ser assim entendido sem que necessariamente ocorra uma ação qualquer que poderia estabelecer uma conexão factual entre signo e objeto. (Peirce, Charles S.). Perderia o caráter que o torna um signo se não houvesse algo para significar, ou um interpretante a par das regras. O signo simbólico possibilita o surgimento da linguagem organizada.
Estudos de antropologia se embasando na biologia mostram que, o que
provavelmente possibilitaram o surgimento da linguagem (organizada) foram uma
caixa craniana com aptidões acústicas, um cérebro capaz de organizar a
linguagem, complexidade crescente com um ambiente e organização social
requerendo cada vez mais comunicações (a necessidade de falar) e uma mútua
relação e interação entre essas ordens de fenômenos.
Morin denomina Call System o modo como nos comunicávamos inicialmente através de
uma linguagem primitiva. O Call System
já não era capaz de inventar novos sons que pudessem diferenciar-se uns dos
outros fazendo com que houvesse a necessidade e criando uma brecha para um tipo
de linguagem mais complexa. Assim surge a gramática - indispensável e o grande
impulso para a evolução da comunicação. A gramática não passa de um tipo de
linguagem (signo simbólico). Gramática é o conjunto de regras de combinação
necessárias para dar-nos um repertório de signos, que teoricamente poderíamos
combinar de infinitos modos.
Como observa Diaz Bordenave, se cada
pessoa combinasse seus signos a seu modo seria impossível nos comunicarmos uns
com os outros. Seria como se cada um falasse uma língua diferente e tentasse se
comunicar. Graças à gramática, o significado já não depende só dos signos, mas
também da estrutura de sua apresentação.
Com a posse de repertórios de signos, e de regras para combiná-los, o
homem inventou a linguagem organizada. Podemos dizer que a linguagem é para a inteligência o que a roda é para os
pés, pois lhes permite deslocar-se de uma coisa para outra com desenvoltura e
rapidez, envolvendo-se cada vez menos. (Mcluhan).
Parece haver poucas dúvidas de que a
primeira forma organizada de comunicação humana foi a linguagem oral, quer
acompanhada ou não pela linguagem gestual. No entanto, a linguagem oral sofre
de duas sérias limitações: a falta de permanência e a falta de alcance. Daí
talvez o fato de que os homens primitivos tenham apelado a modos de fixar seus
signos através de desenhos – que mais tarde transformou-se na linguagem
escrita. Parece que nos comunicar faz parte da nossa identidade - humana. Lembrando
que,
“...
aquele que fala ou que escreve é
primeiramente mudo, inclinado para o que quer significar, para o que vai dizer,
e de repente a onda de palavras vem em seu socorro a esse silêncio e dá a ele
um equivalente tão justo, tão capaz de devolver ao próprio escritor o seu
pensamento quando ele o tiver esquecido”. (Merleau-Ponty). Esta é a magia
da comunicação.
A palavra comunicação vem do latim communis, comum, dando ideia de
comunidade. Esse conceito preza o fato de as pessoas poderem entender umas às
outras, expressando pensamentos, unindo o que estava isolado na mente de cada
um para toda a comunidade. É fazer com que aquilo que é meu passe a pertencer a
outro – pôr em comum. Mas ainda melhor, poderíamos dizer que é a transmissão de
signos. E esta atribuição de significados a determinados signos é precisamente
a base da comunicação em geral e da linguagem em particular.
O filósofo Aristóteles, pelo que se sabe,
foi o primeiro homem a dar importância ao estudo sistemático da comunicação ao teorizar o primeiro modelo de
comunicação, afirmando a necessidade de três elementos: emissor, mensagem e
receptor. Mais tarde, a teorização Aristotélica foi repensada por C. E. Shannon e W.
Weaver, que introduziram a Teoria Matemática, que foi aceita por grande parte
dos Médias (estudiosos e profissionais da comunicação social).
Também
chamada de Teoria da Informação, a Teoria Matemática concebe a comunicação como
uma transmissão de sinais. De acordo com seus criadores é designada como
um modelo matemático para permitir a transmissão de um conjunto de informações
quantificáveis de um lugar para outro. No
entanto, Isaac Epstein observou que essa
teoria foi formulada com o destino a auxiliar a solução de certos problemas de
otimização do custo da transmissão de sinais, e pensada no homem algo
precioso se perde.
Nesta teoria, do lado do emissor há um
processo de codificação, que transmite uma informação através de um
canal (linguagem), por um meio (como é transmitido) em um determinado contexto
para o receptor, que decodifica a informação.
O único fator que pode interferir na comunicação é o ruído externo – a
linguagem numa freqüência baixa demais para escutar, erros na transmissão da
informação ou um contexto não especificado.
Mais tarde,
a Escola de Palo Alto faz crítica à Teoria da Informação, discordando de tal
modelo teórico que só se importa com o ruído externo. Isaac Epstein mostra que
essa junção de emissor, mensagem e receptor só funciona em modelos em que
sabe-se as regras do jogo, compartilhado por ambos os lados. As significações
do código só existem na mente dos homens, o que é desconsiderado pela Teoria
Matemática. É através dele que surge o sentido e vida ao processo no qual se
envolveram o emissor e o receptor. Porém, não é ele que deve dar o sentido,
deve haver um contrato social. Na ausência desse contrato, torna-se um processo
invisível e perigoso, em que só se
compreende o que dizem por que se sabe antecipadamente o sentido e só se
compreende o que já sabia. Acaba-se por haver dois sujeitos pensantes, fechados
sobre suas significações, e entre eles havendo mensagens que circulam, mas que
não contêm nada. Assim, é somente ocasião para cada um prestar atenção ao que
já sabia.
É necessário elucidar
que nem tudo que é considerado comunicação realmente comunica – essência do
termo. Particularmente, nem precisa. Desde que se tenha consciência do que se
pretende com a comunicação. Crê-se que há um envolvimento puro entre o que é
dito e o que é compreendido, quando não há.
Proponho um
modelo de quando a comunicação realmente é compartilhada, obviamente apenas
aplica-se quando o emissor pretende que sua mensagem seja compreendida tal como
ela foi transmitida. Modelo de comunicação real:
EMISSOR X +
(ENVIA) MENSAGEM A
e RECEPTOR Y = (RECEBE) MENSAGEM A
Não estou me
referindo, no caso do Emissor X, em discordar ou duvidar da veracidade da
mensagem do Receptor Y. O que busco é o cuidado que não se é devidamente
tomado, que leva o Receptor Y a receber MENSAGENS B, embora o Emissor X tenha
transmitido a MENSAGEM A. Sem interferência externa alguma.
Este tipo de
abordagem não traz problemas a todos os tipos de signos. Um signo icônico pode ser comunicado, já que a sua natureza se
constitui simplesmente na sua forma. Não há problemas na comunicação desde que
ambos, emissor e receptor, conheçam a sua forma. Caso contrário, não há
comunicação, e nem possibilidade para enganos de ambas as partes – já que não
terão referencial algum para se equivocarem. Um signo
indicial também pode ser comunicado, no entanto depende do conhecimento da
pessoa. Não é um problema de linguagem, mas deve-se ter cuidado e sempre
elucidar o fato indicial ao invés de crer-se no que ele indica. É possível
apenas um problema de consciência, não de linguagem. Mesmo que exista a crença
do interpretante em relação ao acontecido, sem evidência nenhuma, e assim, o
receptor e o emissor possam acabar por discordar, sempre será possível
elucidar-se o signo indicial e nele se compartilharem.
Já o signo simbólico, para ser comunicado, faz necessário o
estabelecimento de regras e convenções. Não há nada que o conhecimento físico possa
ajudar, já que o símbolo não possui natureza alguma e pode parecer
perfeitamente adaptado a qualquer signo. É só uma questão de linguagem -
abstração. Tanto na escrita quanto na fala. Saussure observa que é uma grande ilusão considerar um termo
simplesmente como a união de um certo som com um certo conceito. Defini-lo
assim seria isolá-lo do sistema do qual faz parte, já que em casos como
este, signos simbólicos, se transmite a ideia de valor, que é completamente
relativa. É necessário jogar com as regras que o outro joga, e não usar a nossa
própria regra – indiferente às significações das mediações escolhidas pelo
outro. Eis que surge o problema da crença nas palavras e o abismo total entre
as duas consciências.
O filósofo
Ludwig Wittgenstein conhece a importância da elucidação da linguagem e da
palavra como tal. Percebe que,
“...a linguagem engendra ela mesma
superstições das quais é preciso desfazer-se. É preciso um esclarecimento que
permita neutralizar os efeitos enfeitiçadores da linguagem sobre o pensamento,
ao contrário, não querer descobrir o que supostamente esteja oculto sob a
linguagem, mas abrir os olhos para ver e desvendar como ela funciona."(Wittgenstein).
Há muito tempo os pensadores que estudam a filosofia
da linguagem se perderam na busca por uma essência da própria palavra, como se
de fato ela que concebesse o significado ao objeto ou coisa – esquecendo-se de
que ela apenas o nomeia. Assim, segundo Wittgenstein, não nos cabe, portanto,
nos indagar sobre os significados puros para nenhum tipo de palavra, mas sobre
suas funções práticas.
Santo Agostinho parecia compreender esta
faceta, e afirmou que ela deve servir para o entendimento de um construtor A com um ajudante B. Exatamente o que
Wittgenstein propõe quando diz que não é finalidade das palavras despertar
representações; falar algo, denominar
algo é semelhante a colocar uma etiqueta numa coisa, nas palavras do
filósofo.
As linguagens consistem apenas de comandos, e isto não deve nos
perturbar. Não há necessidade de elas serem completas. Pois, com quantas casas ou ruas, uma cidade começa
a ser cidade?
Os problemas filosóficos nascem quando a
linguagem entra de férias. Wittgenstein então propõe os “Jogos de Linguagem”.
Nesta teoria, as palavras não passam de um instrumento de linguagem, em que se
dá a cada palavra um papel no nosso jogo. Podemos dizer que quem fala cifra seu
pensamento, como se o substituísse por um arranjo sonoro ou visível. No
entanto, é necessário saber ler a partir das regras de quem escreveu a cifra.
Os jogos de linguagem são capazes de
resumir orações inteiras apenas em palavras, inclusive há culturas em que a
própria gramática não diz tudo, apenas pensa. Por exemplo, aquele que pensa
“Traga-me uma lajota” dizendo apenas “Lajota”, pronunciaria interiormente a
frase inteira. Traduz aquela simples palavra para seu significado – que foi
antes, brevemente convencionalizado - para que quando um homem diz “Lajota!”
ele esteja querendo que realmente leve uma lajota até ele. Tudo é uma questão
de agir de acordo com a função combinada. As palavras devem ser utilizadas tal
como uma ferramenta pelos operários – para satisfazer uma necessidade.
Utilizemos da elucidação extensiva de Wittgenstein para caminharmos em busca da
essência de uma palavra para compreender a necessidade do jogo de linguagem:
O
que é o termo “jogo”? O que é um “jogo”? Quais são os traços em comum? O
uso de bolas? Pense nos jogos de cartas. A competição? Pense numa criança que
bate bola na parede. A brincadeira? Pense no jogo chamado paciência. A sorte?
Pense no xadrez. A habilidade física? Pense no jogo de damas. (Wittgenstein).
E
tal é o resultado desta consideração: vemos uma rede complicada de semelhanças
que se envolvem e se cruzam mutuamente. Alguns traços que são comuns para uns,
desaparecem para outros. E assim surgem mais outros e desaparecem outros, e
assim por diante - sem limite algum.
O que ainda é um jogo e o que não é mais?
E uma planta? O que é a palavra
“bom”? Você dirá que não sabe o que é um jogo enquanto não puder dar uma
definição essencial exata? Obviamente não. Então qual é a essência do que
chamamos de jogos? Como captamos o espírito de algo? A resposta pode estar na
observação de Wittgenstein quando admira
de que se possa saber algo e não se possa dizer. Não existe essência na
palavra “jogo”, já que na verdade ela é apenas um signo simbólico (foi
inventado, não possui um ícone) - tanto escrito, quanto falado. O que possui
uma essência é a linguagem.
E a essência da linguagem é a regra.
Certas
proposições nos parecem estar elucidadas por falta de cuidado. Por exemplo, a
proposição “Moisés não existiu” pode significar diferentes coisas. Pode
significar que os israelitas não tiveram nenhum chefe quando deixaram o Egito,
ou não existiu nenhum homem que tivesse realizado tudo o que a Bíblia narra de
Moisés. Ou, como observa Russel, o homem que viveu naquele tempo, naquele lugar
e naquela época.
Já outras proposições pedem para ser
elucidadas. Quando alguém nos diz “N não
existiu” perguntamos automaticamente: “O
que você que dizer? Você quer dizer que...ou que...?” etc. Se utilizo o
nome “N” sem uma significação rígida
– virtual – não há capacidade para que o outro possa compreender, ou sequer
sofrer um mal entendido. O problema é que tudo aquilo que pode ser “virtual” se
torna falso a partir do momento que não está mais no presente. Daí a razão da
denominação do termo “virtual”, que busca sempre se atualizar.
É um problema tratarmos tudo de forma virtualizada considerando-a atualizada. O erro de comunicação será freqüente e invisível com a ausência de uma elucidação extensiva. Assim, nos jogos de linguagem, as regras são os indicadores de direção. Mas, como determinar a regra do jogo de linguagem que o outro joga se ele próprio a ignora? Isto porque, durante o jogo, a cada jogada as pessoas se comportam segundo determinadas regras. Bom, ainda às vezes paira alguma dúvida. A elucidação é inexata, mas isso não quer dizer que seja inútil. O próprio termo exatidão precisa ser elucidado:
“Você deve chegar pontualmente para almoçar; você sabe que o almoço começa exatamente à 1 hora”. O ideal de exatidão se dá de acordo com o relógio neste caso. (Wittgenstein).
É um problema tratarmos tudo de forma virtualizada considerando-a atualizada. O erro de comunicação será freqüente e invisível com a ausência de uma elucidação extensiva. Assim, nos jogos de linguagem, as regras são os indicadores de direção. Mas, como determinar a regra do jogo de linguagem que o outro joga se ele próprio a ignora? Isto porque, durante o jogo, a cada jogada as pessoas se comportam segundo determinadas regras. Bom, ainda às vezes paira alguma dúvida. A elucidação é inexata, mas isso não quer dizer que seja inútil. O próprio termo exatidão precisa ser elucidado:
“Você deve chegar pontualmente para almoçar; você sabe que o almoço começa exatamente à 1 hora”. O ideal de exatidão se dá de acordo com o relógio neste caso. (Wittgenstein).
Não sabemos até que seja estabelecida uma
regra. Um jogo é jogado segundo uma regra determinada. Mas como o observador
distingue entre um erro de quem joga e uma jogada certa? Há para isso, indícios
do comportamento dos jogadores. Aprende-se o jogo observando como o outro joga.
Então, deve-se elucidar as palavras
sempre que se for participar do jogo da linguagem? E durante o jogo? Só quando
se quiser comunicar. O maior dos erros na comunicação é que nos servimos sempre daquilo que a memória diz, como se fosse a arbitragem suprema e inapelável.
(Wittgenstein).
Existe uma teoria que pode nos ajudar a entender melhor a razão do que
foi proposto até aqui. Esta teoria parece-nos enigmática e paradoxal, pois o
que ela diz é que comunica quando não
comunicamos, não comunica quando comunicamos. Idealizada por Ciro Marcondes
Filho, o “face a face”, como é
conhecida, é um procedimento ritualizado, teatral, um sistema em que as pessoas
formalizam sua face exterior e procuram por meio da fala e dos signos
convencionalizados manterem uma cena de representação. Pouca coisa informativa
é efetivamente passada nessa forma de comunicação, apesar desta cena do ritual
ser sustentada e comunicada com perfeição, mas vazia. É uma forma de
comunicação que prima por outras ligações, não exatamente relacionadas com a
informação, isto é, relacionadas ao novo. A virtualização é a comunicação. O
motivo desse tipo de comunicação nasce de uma consequência sócio-antropológica:
o simulacro.
O termo “simulacro” é utilizado por Jean
Baudrillard para explicar o fenômeno de homogeneização da sociedade. É um espaço-tempo de toda uma simulação
operacional da vida social de toda uma estrutura de habitat e de tráfego. (Jean
Baudrillard). É o modelo de toda uma forma de socialização controlada,
todas as funções dispersas do corpo e da vida social são ritualizadas para se
sociabilizar: no trabalho, tempos livres, alimentação, higiene, transportes,
média, cultura, são todos circuitos integrados.
Durante toda a existência do homem no
mundo, ou a maior parte dela, foi marcada pela luta pela sobrevivência. Esse
ser quase nunca podia gozar de paz, seja diante às necessidades mais primitivas
de alimentação, proteção e sobrevivência até a rejeição social. De repente, se
cogita a possibilidade desse ser não ter mais a incerteza do amanhã. Não se faz
mais necessária a preocupação em adaptar-se a um ambiente incerto e às vezes
inalcançável. Agora, o ambiente adapta-se à pessoa, sim, não há mais a
necessidade de se preocupar com coisa alguma, pois está tudo pronto. Basta
seguir determinadas regras, rituais, convenções sociais – um padrão de sucesso.
A felicidade agora é comprada de forma indireta – viva de tal modo, use
determinadas roupas, acredite em determinado padrão de beleza, ande na linha.
O simulacro é uma estrutura habitat onde
você compra seu bem-estar. Segundo Guy Debord, não importa mais quem você é,
mas sim o que você parece que é, e para parecer é necessário ter, em última
instante parecer ter – ter o que o simulacro vende.
Assim, esse parecer, juntamente com todas
as convenções que são de sua natureza, leva as pessoas a não verem propósito
algum no conteúdo da comunicação, já que tudo é virtualizado, e ao mesmo tempo
saberem que realmente a mensagem não importa, mas sim a moldura que carrega
felicidade ritualizada.
Como observa Guillaume, esse tipo de
comunicação repousa naquilo que lhe é contrário, a diferença, a separação dos
seres. Para Marcondes, este ambiente foi inventado pelo homem e é possuidor de
inteligência, seu mecanismo serve para
neutralizar as informações, para relativizá-las, para domesticá-las e
adaptá-las ao universo de compreensão e racionalidade interno da comunidade. Ao
contrário dos animais que precisam se adaptar a um ambiente que passa por
influências externas e readaptativas, a comunidade não é um sistema de troca
aberto da mesma forma.
Na comunicação face a face o discurso oral é apenas
um componente do ritual das práticas cotidianas. O sermão do padre, o discurso
do líder comunitário, a retórica do diretor da escola são falas tautológicas –
nada dizem – e fazem parte de um ritual maior, o da coesão e da resistência às
ameaças de ruptura. Fala-se pela linguagem “indicial”, que não tem mal
entendido, que é unívoca pela sua própria forma de se apresentar. Aqui não há
paradoxos, daí seu caráter enfadonho para os que buscam o novo e o confortante
para quem está em busca de segurança e imutabilidade. (MARCONDES FILHO, Ciro).
Nessa comunicação automática, é pelos atos que se conhece os atores, o meio é a mensagem. Como vê Mcluhan, a luz elétrica não tem conteúdo, mas tem a informação, que é seu próprio meio. E pouca diferença faz que ela seja usada para uma intervenção cirúrgica no cérebro ou para uma partida noturna de beisebol. Assim é a comunicação deste homem. A mensagem não é mais o conteúdo, como costumavam dizer as pessoas ao perguntarem sobre o que significava um quadro ou do que se tratava. Nunca se lembravam de perguntar do que tratava uma melodia, uma casa ou um vestido. Esta configuração se tornou tão dominante que as teorias educacionais passaram a lançar mão dela em lugar de operar com “problemas” particulares de aritmética, a abordagem estrutural agora segue as linhas de força do campo dos números - passamos a ver crianças meditando sobre a teoria dos números.
Na contramão de todo o engrandecimento do
meio e o vazio da mensagem, está o meio onde o conteúdo pode ser transmitido
através do próprio meio: o audiovisual. O meio do audiovisual está na forma,
não são necessárias mediações. A sua mensagem é transmitida sem a necessidade
de convenção ou regra alguma. Diferentemente do surgimento do cubismo, que
substitui o “ponto de vista” pela estética de uma tela colorida, o cinema,
segundo Gilles Deleuze, passeia pelos caminhos tal como a filosofia. Traz ao homem a possibilidade de uma sala de
aula sem paredes. (McLuhan).
Deleuze fala ainda sobre a superioridade majestosa do cinema como o seu
meio sendo a própria mensagem capaz de transmitir conteúdo, mediante a técnica
cinematográfica, que traz uma proximidade que pensa o próprio meio como arma do
pensamento.
Para
Deleuze, o pensar já nos parece fazer cinema. Um filme é um recorte do
imaginário que, tanto para McLuhan quanto para Deleuze, abre as portas da
imaginação e produz situações da realidade. A arte cinematográfica como arma do
pensamento, a câmera como análogo, ou extensão, não somente do olho, mas do
cérebro. A percepção se transformando em ação.
Como pensa Heidegger, o homem sabe pensar na medida em que tem a
possibilidade de pensar, mas esse possível ainda não garante que sejamos
capazes de pensar. (DELEUZE, Gilles).
É como se o cinema nos dissesse através da sua mensagem sem linguagem, ou
seja, inescapável: “Vocês não podem escapar do choque que desperta o pensador
em vocês!”
O choque sobre o qual Deleuze fala tem um efeito sobre o espírito, ele o força
a pensar, e a pensar o Todo. O todo precisamente só pode ser pensado, pois é
representação indireta do tempo que decorre do movimento. (DELEUZE, Gilles).
Através do objeto/movimento que Deleuze
considera a imagem (icônica) do objeto, se dá a montagem que é ao mesmo tempo a
montagem no pensamento através de um processo intelectual (já que no cinema não
há mediações). Ou seja, todo o contexto no qual irão ser definidos os valores
de determinada imagem vão ser definidos pelo próprio cinema. (DELEUZE).
No cinema, não se vê nem se ouve, mas se
sente. Perguntar o que é o cinema será perguntar o que é o pensamento, percebe
Gilles Deleuze na sua conclusão sobre a sétima arte.
Mesmo no audiovisual existe um tautismo
(neologismo com autismo e tautologia) na comunicação como “repetição
imperturbável do mesmo” (MARCONDES FILHO, Ciro), em que as formas de comunicação
entram numa espiral delirante e tautológica. A sociedade diz “eu sou a
comunicação”. Este é um problema de consciência, que este tipo de meio,
audiovisual, sofre por não ter nenhum tipo de compromisso com nenhuma
sociabilidade, adaptante e adaptada. É uma questão apenas de uma comunicação
vertical, não existe feedback. A partir de sua subjetividade, o receptor da
mensagem dá o sentido de acordo com suas experiências, embora Deleuze observe
que após o recebimento de toda a mensagem direta – choque - do cinema, a
reflexão se atualiza com a nova experiência recém codificada.
Este poder pode ser chamado de
alteridade. Neste tipo de comunicação, também não é a mensagem que importa, nem
mesmo o meio. A importância está na transformação.
Essa teoria busca causar algum tipo de
impacto no receptor, seja ele qual for. As informações ou mensagens não são
direcionadas ou voltadas à transmissão do mesmo signo transmitido. Não
acredita-se nesta possibilidade, mas considera-se de bom tamanho modificar o
outro. Transmite-se um signo já imaginando uma interpretação subjetiva e
reflexiva. Assim, este tipo de comunicação é totalmente incerto e ao mesmo
tempo relativo. Acontece assim:
Emissor
X Fala Mensagem A à Receptor Y
Fala Mensagem B
Emissor
X Decodifica Mensagem C à Receptor Y
Decodifica Mensagem D
O que importa é que o receptor se
transforme. Ou seja, nenhum deles pôde compartilhar seus pensamentos. O
essencial é que o receptor após a comunicação não saia com o mesmo pensamento,
argumento que possuía anteriormente.
Neste tipo de comunicação, alteridade, toda
a essência da etnologia é indiferente ao seu real significado, supostamente, de
fazer comum uma mensagem entre duas pessoas.
Fazendo referência a Nietzsche, podemos
pensar que, para chegarmos às vísceras da comunicação, há a necessidade de
estar além do bem e do mal:"Deve colocar-se para além do bem
e do mal – e ter debaixo de si a ilusão do juízo moral. (...) Não há fatos
morais. O juízo moral tem em comum com o religioso crer em realidades que não o
são. A moral é unicamente uma interpretação de certos fenômenos; mais
estritamente uma falsa interpretação. O juízo moral, tal como o religioso,
pertence a um estádio da ignorância em que até falta o conceito do real, a
distinção entre o real e o imaginário; de modo que a “verdade”, no sobredito
estádio, designa simplesmente coisas que hoje chamamos “imaginações“
(alucinações, fantasias). O juízo moral jamais deve, pois, tomar-se à letra:
enquanto tal contém sempre só contra-senso. Mas conserva um valor inestimável
como semiótica, porque revela, pelo menos ao doutro, as mais valiosas
realidades das civilizações e interioridades que não sabiam o bastante para a
si mesmas se “compreenderem”. A moral é somente uma linguagem de signos,
simples sintomatologia: importa saber de que se trata para daí tirar
utilidade". (NIETZSCHE).
Como observa Maurice Merleau-Ponty,
acredita-se que vemos as coisas mesmas, o
mundo é aquilo que vemos – fórmulas desse gênero exprimem uma fé comum ao homem
natural (MERLEAU-PONTY, Maurice), desde que abre os olhos remete-se em uma
camada profunda de opiniões mudas, implícitas na nossa vida. Mas essa fé tem isso de estranho: se procurarmos articulá-la numa
tese ou num enunciado, se perguntarmos o que é este nós, o que é este ver e o
que é esta coisa ou este mundo, penetramos num labirinto de
dificuldades e contradições.
Santo Agostinho já dizia do tempo, que
este é perfeitamente familiar a cada um, mas que nenhum de nós o pode explicar
aos outros. Assim, para que possamos nos relacionar verdadeiramente com um
“outro”, é necessário que antes possamos compartilhar o mesmo mundo que
enxergamos. Como Wittgenstein pôde perceber, há a necessidade de uma percepção
“pura” – livre dos mais odiosos e
mesquinhos pensamentos – livre de valores e vontades, tal como o super-homem de Nietzsche.
Quando crianças, percebemos o mundo antes
mesmo de entender o que é a palavra "pensar", ou ao menos o que é uma
palavra, ou ainda o que é pensar. Projetamos nossos sonhos nas coisas,
pensamentos nos outros, formando com eles um bloco de vida comum, onde as
perspectivas de cada um ainda não se distinguem (MERLEAU-PONTY). Ou seja,
perceber algo não tem inicialmente relação real com o pensamento. Mais tarde é
quando o pensamento interfere, distorce a percepção. A nossa percepção nos dá a
fé num mundo, que nos leva à convicção de irmos às coisas. Mas a compreensão
filosófica do mundo sacode-os para a sabedoria de que cada ser habita a sua
própria ilha, não havendo transição de uma à outra, sendo mesmo de se admirar
que concordem algumas vezes sobre uma coisa qualquer. Precisamos ter essa
percepção do outro e o abismo que nos afasta do mesmo, caso contrário,
poderemos sim nos comunicar, mas nunca nos entendermos. A comunicação transforma-nos em testemunhas de um mundo único. (MERLEAU-PONTY).
Quando fantasiamos o nosso próprio mundo
e comunicamos algo do mesmo, o outro compreende como sendo algo de seu mundo,
diante das regras e leis naturais que enxerga, também fantasiosamente. Existe
uma dificuldade em transmitir aquilo que é subjetivo, que não se pode apontar.
Mas trata-a como se pudesse ser compartilhada.
Como observa Wittgenstein, utiliza-se a sua própria significação por
vê-la como realidade. Ignora-se o fato de que não compartilhamos o mesmo
mundo que as outras pessoas. Os valores não são apenas abstrações para elas,
são o mundo delas, sua realidade. Desta forma, não é possível um jogo de
linguagem para que possam se entender. É um problema de consciência. Por vivermos na idéia, acreditamos, e já
vemos nela. (WITTGENSTEIN, Ludwig).
Durante todo o texto, o mais combatido foi a superstição, a fé, e o
analfabetismo, a falta de cuidado que reside na linguagem, na comunicação e nos
valores. Antes de mais nada, é necessário revoltar-nos contra a linguagem dada.
Elucidar uma linguagem antes da linguagem, se opor às crendices mágicas que
colocam a palavra Sol no Sol. Considerar as palavras a partir de um jogo de
linguagem, assim elucidando as mediações para que não nos levem a mal
entendidos invisíveis.
Faz-se necessário que sejamos verdadeiramente
responsáveis pelo que falamos e escutamos, elucidando sem preguiça e falta de
atenção.
E para finalizar, a importância de se
estar além do bem o do mal está em que possamos ir além de nos comunicar, mas
nos entendermos – compartilharmos o mesmo mundo, e sendo assim o mundo mesmo.
Muitas das confusões com as quais nos ocupamos nascem quando a linguagem, por
assim dizer, caminha no vazio, não quando trabalha. (Wittgenstein). Pode ser
exemplificado com as “trombadas cronológicas” de que fala Ciro Marcondes Filho entre pessoas que habitam o mesmo ambiente
(pais, filhos, colegas), que, em vista de seus diferentes padrões de referência,
estariam ancorados em momentos diferentes da história cultural e das ideias,
vendo, assim, cada um a seu modo, “mundos diferentes”.
Para pessoas leigas no assunto, a
comunicação é uma aparência. Não se encontra na linguagem nada além do que nós
mesmos colocamos nelas. A comunicação é um ritual, e tudo aquilo que lhe é caro
é perdido neste abismo.
Porque será que não há comentários? Mundo moderno, mundo de mensagens rápidas, de preguiça de pensar , ou aprender sobre algo de que não se julga necessitado? Chegar ao meio do texto e se perguntar "Por que estou lendo isto, se tenho tanto a fazer?"
ResponderExcluirApesar de bem escrito, estará direcionado aos intelectuais? E nós, leigos, temos alguma chance de atender nossas necessidades de enriquecer nossos conhecimentos de maneira mais compreensível e direcionada? Quer ensinar algo, ou apenas se comunicar com seus iguais? Será por isso que as religiões crescem tanto? Por falar para o povo (cordeiros já amaciados) o que ele quer ouvir, sem se questionar ou questionar seu interlocutor? Desculpe-me mas a longa explanação inicial, fez-me perder o interesse pelo que me levou à leitura: "criar condições à liberdade".