quarta-feira, 8 de outubro de 2008

A Falsa Democracia



O indivíduo e a sociedade existem mutuamente. A democracia favorece a relação rica e complexa indivíduo/sociedade, em que os indivíduos e a sociedade podem ajudar-se, desenvolver-se, regular-se e controlar-se mutuamente.

O conceito de democracia fundamenta-se no controle da máquina do poder pelos controlados e, desse modo, reduz a servidão (que determina o poder que não sofre a modificação do que está feito, daqueles que submete); nesse sentido, poder perceber que a democracia é mais do que apenas um regime político é a regeneração contínua de uma cadeia complexa e retroativa, ou seja, os cidadãos produzem a democracia que produz cidadãos.

Diferentemente das sociedades democráticas que funcionam graças às liberdades individuais e à responsabilização dos indivíduos, as sociedades autoritárias ou totalitárias colonizam os indivíduos, que não são mais do que apenas sujeitos.
Na democracia, o indivíduo é cidadão, pessoa jurídica e responsável. Por um lado, pode exprimir desejos e interesses, por outro, deve ser responsável e solidário com sua cidade. E realmente não é isso que acontece.

Não enxergo lógica para que a democracia possa ser definida de modo simples.
A soberania do povo cidadão comporta ao mesmo tempo a autolimitação desta soberania pela obediência às leis e a transferência da soberania aos eleitos. A democracia comporta ao mesmo tempo a autolimitação do poder do Estado pela separação dos poderes, a garantia dos direitos individuais e a proteção da vida privada.

Para haver democracia, é necessário o consenso da maioria dos cidadãos e do respeito às regras democráticas, todos devem acreditar na democracia, e, também é fundamental a diversidade e antagonismo.
A experiência do totalitarismo enfatizou o caráter-chave da democracia: seu elo vital com a diversidade.

A democracia supõe e nutre a diversidade dos interesses assim como a diversidade de ideias. Ou seja, o respeito à diversidade significa que a democracia não pode ser identificada como a ditadura da maioria sobre as minorias, e sim, deve comportar o direito das minorias e dos contestadores à existência e à expressão, assim, permitindo a expressão de ideias de todos.

Do mesmo modo que é preciso proteger a diversidade das espécies para salvaguardar a biosfera, é preciso proteger a diversidade de ideias e opiniões, bem como a diversidade de fontes de informação e de meios de informação (impressa, mídia), para salvaguardar a vida democrática.

A democracia é feita e necessita, ao mesmo tempo, de conflitos de ideias e de opiniões, que lhe conferem sua vitalidade e produtividade. Porém, a produtividade e a vitalidade dos conflitos só podem se expandir em obediência às regras democráticas que regulam os antagonismos, substituindo as lutas físicas, pelas lutas de ideias, e que determinam, por meio de debates e das eleições, o vencedor provisório das ideias em conflito, aquele que tem, em troca, a responsabilidade de prestar contas da aplicação de suas ideias. O que também não é o que acontece em nosso país.

Sendo assim, a democracia exige ao mesmo tempo, consenso, diversidade e conflituosidade, a democracia é um sistema complexo de organização e de civilização políticas que nutre e se nutre da autonomia de espírito dos indivíduos, da sua liberdade de opinião e de expressão, do seu civismo, que nutre e se nutre do ideal Liberdade/ Igualdade/Fraternidade, o qual comporta uma conflituosidade criadora entre estes três termos inseparáveis.

Desta forma, todas as características importantes da democracia possuem um caráter de união e desunião, que une de modo complementar e antagônico consenso/conflito, liberdade/igualdade/fraternidade, comunidade, ao mesmo tempo, nacional/antagonismo social e ideológicos. Isso tudo faz da democracia um regime frágil, já que vive em conflitos e estes podem fazê-la submergir.

Como podemos ter liberdade, já que é preciso igualdade? A liberdade existe na possibilidade de podermos ter escolhas diferentes, opiniões diferentes, idéias diferentes, destinos diferentes, ou seja, sermos uns diferentes dos outros, ou seja, não iguais.

Uma sociedade que tem o ideal de fraternidade poderia ter liberdade? Não poderia ser livre para ter antipatia, inimizade ou até ódio de um indivíduo. Não estou querendo dizer em fazer mal a alguém, mas sim ser livre, ao menos, para ter sentimentos.
São alguns pontos que deixam claro o ideal contraditório em que a democracia se estabelece.

A democracia ainda não está generalizada em todo o planeta, que comporta ditaduras e resíduos de totalitarismo do século XX, quando germes de novos totalitarismos. Além disso, as democracias existentes não estão concluídas, mas incompletas ou inacabadas, e essa luta continuará sendo ameaçada por outros regimes e, até mesmo, essa democracia antagônica, no século XXI.

A democratização das sociedades ocidentais foi um longo processo que continuou de maneira muito irregular em certas áreas, como o acesso das mulheres à igualdade com os homens no casal, no trabalho, na carreira pública, e hoje, o respeito ao casamento gay, a preconceito entre estrangeiros e ainda o racismo entre diferentes etnias e misturas raciais.

O socialismo ocidental não conseguiu democratizar a organização econômica/social de nossas sociedades. As empresas permanecem sistemas autoritários hierárquicos (com divisão de poder), parcialmente democratizados, na base, por conselhos e sindicatos. É certo que há limites à democratização em organizações cuja eficácia é fundada na obediência, como no exército. Mas podemos nos questionar se, como algumas empresas o descobrem, é possível adquirir outra eficácia por meio do apelo para a iniciativa e para a responsabilidade dos indivíduos ou dos grupos.

A política fragmentada perde a compreensão da vida, dos sofrimentos, dos desamparos, das solidões, das necessidades não quantificáveis. Com certeza tudo isso contribui para a gigantesca regressão da democracia, com os cidadãos afastados dos problemas fundamentais da cidade.

O futuro da democracia do século XXI estará diante do desenvolvimento da ciência, técnica e burocracia, que irão produzir conhecimento e elucidação, mas também mais ignorância e cegueira.

O problema não se apresenta somente para a guerra ou para a crise. É problema de vida cotidiana: o desenvolvimento da tecnoburocracia instaura o reinado dos peritos em áreas que, até então, dependiam de discussões e decisões políticas. Problemas como manipulações de paternidade, maternidade, do nascimento e da morte, com raras exceções não entraram na consciência política nem no debate democrático do século passado.

Os cidadãos são expulsos do campo político, que cada vez é mais dominado pelos “experts”, e o domínio da “nova classe” (já que os políticos se julgam e, o pior, são tratados como outra classe, talvez uma “especial”) impede o fato da democratização do conhecimento.

Você ainda acha que vivemos ou, no mínimo, conhecemos uma democracia?

2 comentários:

  1. muito bom texto éder. perfeito para exemplificar a atual situação dos regimes políticos que vivemos no século 21. esta democracia que vivemos é uma grande mentira, baseada em manipulação, controle social e jogos de poder. e infelizmente, o ser humano entrou em um círculo vicioso de dependência deste processo.

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  2. Nenhuma ideologia política, quando é implantada na sociedade, no Estado, consegue realizar suas proezas como era planejado pelo menos no campo teórico. E a Democracia não poderia ficar de fora. Nenhum país consegue manter fidedignamente seu caráter democrático...assim como nenhum consegue manter o seu caráter ditatorial. Quando teorizamos algo, no caso, os tipos de governo, sempre temos de ter em mente que o que vai sair do papel e virar realidade não se parece exatamente com o que estava no papel. E o grande erro dos Estados continua ser o fato de não estarem atentos a esse fato.

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