quarta-feira, 19 de setembro de 2012

PSICODRAMA
A Desconservação do Indivíduo


Aos 19 anos de idade, Jacob Levy Moreno estava matriculado na Faculdade de Medicina de Viena e tinha como passatempo predileto reunir crianças nos parques da cidade e formar grupos de brincadeiras de improvisação, tendo como objetivo proporcionar às mesmas meios para lutar contra os estereótipos da sociedade, mantendo vivas a espontaneidade e a criatividade. 

Ali germinava a semente do que viria a ser o Psicodrama: uma investigação da mente através da criação e interpretação de conflitos.

Para o surgimento de sua teoria, Moreno enfrentou críticas, desafiou o movimento médico de sua época e atacou os valores sociais, baseadando-se numa concepção do homem que tem em seu núcleo a espontaneidade, o otimismo e os papéis que o indivíduo vai formando ao longo de sua vida.

Costuma-se definir Psicodrama como uma investigação da mente humana através da ação, sendo que "drama" significa "ação" em grego. Nesta abordagem, mobiliza-se a pessoa para vivenciar a realidade a partir do reconhecimento dos conflitos e busca-se alternativas para a solução do que é revelado durante esta prática.

O Psicodrama é parte da Socionomia, que é a ciência das leis sociais e das relações, focando no cruzamento do mundo subjetivo (psicológico) com o mundo objetivo (social). Quando as pessoas usam o termo Psicodrama, geralmente se referem, na verdade, à Socionomia - ambos os termos criados pelo médico romeno Jacob Levy Moreno, um exemplo de criatividade e dedicação à investigação psicológica e social. 

A princípio, na prática psicodramática, as pessoas interpretam os papéis que desempenham na vida e tentam, a partir daí, entender os motivos dos mais variados comportamentos. 

O termo "papel" designa as várias possibilidades de identidade do ser humano. Os papéis psicodramáticos expressariam as diferentes formas de pensar (a partir do papel que está sendo assumido) e a versatilidade e variedade de representações mentais que somos capazes de produzir. Assim, podemos ora desempenhar o papel de mãe, ora de filha, de estudante, de professora, amiga, esposa, tia, sobrinha ou funcionária – etc -, dependendo da situação em que nos encontramos e daquilo que cada situação exige de nós. 

Os papéis são, então, o núcleo do desenvolvimento egóico - desenvolve-se a identidade ao serem reconhecidos os papéis que interpretamos em nossas vidas e como interpretá-los - e à medida que a criança cresce e se diferencia, vai podendo ampliar seu leque de papéis.

Moreno considerava tudo o que é social como “papel” e “conserva”, que fazem toda a história social se passar no terreno da aparência e do imaginário.

As condutas passadas – situações já vividas - constituem as “conservas”, esquemas de ação (modos de agir) que têm probabilidade de repetir-se todas as vezes que o indivíduo se afasta daquilo que está por apresentar-se de novo em uma situação. Desse modo, ao nos depararmos com uma situação nova, agimos do mesmo modo como estamos acostumados ou a ignoramos, recorrendo às nossas conservas para evitar que algo dê errado caso nos arrisquemos a fazer algo diferente.

Ao longo de nossas vidas, há inúmeros momentos de repetição, sendo que, desse modo, poderia-se dizer que vivemos em “conservas”.

As técnicas do Psicodrama - duplo (imitar o comportamento do outro de modo a sentir-se como ele se sente), espelho (repetir ações do indivíduo para que ele perceba como age), solilóquio (dizer em voz alta os próprios pensamentos) e inversão de papéis (colocar-se no lugar do outro, agindo e procurando pensar como ele) – visam a percepção de si mesmo e do outro e são utilizadas de acordo com a necessidade de cada participante.

Ao nascer, a criança realiza seu primeiro ato de catarse. Ela nasce com a capacidade criadora própria do ser humano, que irá completando à medida que cresce e com a ajuda dos outros. Ao longo da infância, à medida que vai vivendo os diversos papéis e entrando em contato com os agentes sociais, perde-se a capacidade criadora de acordo com o tipo de relações que a criança tem e na medida em que as tradições culturais são impostas.

Resumidamente, a situação da criança ao nascer é a mesma do adulto quando em situação do Psicodrama: há o mesmo sufoco e respostas espontâneas. Mas a sociedade e seus agentes reproduzem e transmitem, durante o desenvolvimento da criança, condutas estereotipadas, repetitivas, ritualistas e sem significado que cerceiam a criatividade e espontaneidade iniciais.

Ao encenar diversas situações, o Psicodrama facilita a manifestação das ideias, dos conflitos sobre um tema, dos dilemas morais, impedimentos e possibilidades de expressão em determinadas situações, promovendo a participação livre de todos e estimulando a criatividade. Recriam-se modelos de relacionamento, com os participantes confrontando e sendo confrontados com as diferenças individuais, para perceber-se a distinção entre a sua própria experiência emocional e a dos outros, sendo cada um deles um agente transformador dos demais. 

Durante a adolescência, Moreno apaixonou-se pelo teatro, pela filosofia e por trabalhos comunitários de recreação, gostando especialmente do contato com pequenos grupos de crianças, nos jardins de Viena, onde propunha e improvisava brincadeiras, distribuindo-lhes papéis. A experiência ofereceu-lhe estímulos para que anos depois realizasse um Teatro de Crianças, o que seria, futuramente, compreendida como a sua primeira sessão de Teatro Espontâneo, ainda como estudante.

Para explicar o Teatro Espontâneo, certa vez, Moreno e seus amigos assistiam à peça “Assim Falou Zaratustra”, e interferiram para despertar os atores e o público: chamavam a atenção sobre os conflitos entre personagem e espectador e personagem e ator. Segundo eles, o ator devia representar a si mesmo e não o personagem. Moreno dissertou sobre sua teoria sobre um novo teatro, que representasse os problemas próprios do ator e do público, que fosse de total imaginação e criatividade, como o trabalho que ele estava realizando com as crianças nos parques de Viena.   

O escândalo teve como conseqüência uma noite passada na prisão, mas serviu para abrir o caminho para a primeira sessão oficial de Psicodrama, realizada num famoso teatro. Na apresentação, Moreno tentava expurgar uma doença da platéia, sendo esta doença o sentimento geral de descontentamento e revolta que pairava na Viena do pós-guerra.

A partir daí, o Teatro da Espontaneidade tornava-se uma forma de arte viável e um local de encontro para artistas e intelectuais conhecidos. Até pessoas de fora faziam questão de freqüentá-lo quando estavam em Viena.

Certo dia, Moreno atende uma atriz que sempre representava papéis de "boazinha", tendo sido equilibrada até então. Mas  descobriu que a mesma, após casar-se, andava apresentando um comportamento violento com o marido. Moreno lhe dá, então, papéis de megeras para representar, nos quais ela possa dar vazão à tensão nervosa, o que faz com que ela volte a ser calma na vida conjugal.

 Depois do ocorrido, Moreno passa a criar situações sistemáticas em que os conflitos dos pacientes podem exprimir-se. Sendo essa uma expressão total do indivíduo (pois mostram-se condutas e atitudes), esta prática pretende-se mais completa que a psicanálise, onde a expressão é apenas verbal.

Este teatro mais tarde evoluiu para o teatro terapêutico, onde os atores, após representarem seus papéis, lidavam melhor com seus problemas pessoais. E era mais fácil defender a espontaneidade em um teatro terapêutico, no qual as imperfeições e incongruências de um paciente mental são esperadas e bem recebidas.

Além de dirigir peças espontâneas a partir de temas escolhidos pelo grupo, Moreno também costumava usar a leitura de jornais do dia para escolher e dramatizar matérias com as quais o grupo se identificasse. Essa técnica ficou conhecida com o nome de Jornal Vivo.

Mas havia um problema: o Psicodrama cria situações impessoais e fictícias. Criou-se então o Sociodrama, onde são criadas situações gerais e testa-se as atitudes dos indivíduos diante de problemas mais amplos.

Exemplificando: supõem-se dois indivíduos, marido e mulher, numa sala. Anuncia-se então que o quarto onde o bebê dorme está pegando fogo. A situação é complicada com uma porta que não abre, telefone que toca etc. Examina-se então o comportamento deles, sendo as reações um teste da atitude dos indivíduos na vida.

As sessões finalizam-se com os comentários dos participantes da cena e depois do grande grupo, com a identificação da realidade que acaba de ser vivenciada e o levantamento de possíveis soluções para as questões abordadas.

Para Moreno, a Psicanálise era realizada muito internamente, não havendo espaço para a verdadeira ação e compreensão do paciente. Sendo retrospectiva, a Psicanálise foca-se no interior do indivíduo e este não se encerra ali - não devendo ser considerado apenas parcialmente -, pois ele é solicitado pelo que se apresenta a ele, apresentando, por exemplo, condutas mais adaptáveis às situações do que aquilo que se esperaria dele naturalmente.

Durante o curso de medicina, Moreno assistiu a uma conferência de Sigmund Freud e,  num breve diálogo que mantiveram, ele afirmou: “O senhor analisa os sonhos de seus pacientes. Eu lhes dou coragem para sonhar de novo. O senhor os analisa e os despedaça. Eu os faço representar seus papéis conflitantes e os ajudo a reunir seus pedaços, de novo”.

No livro “O Teatro da Espontaneidade”, Moreno definiu quatro enquadres psicodramáticos: o Axiodrama, onde o público assume o papel de instigador sistemático para desvendar a cena a partir da pessoa privada do ator, derrubando as suas máscaras e conservas culturais; o Teatro de Improviso, onde o drama é encenado da forma como surge, com atores e protagonistas espontâneos; o Teatro Terapêutico, onde existe um conflito a ser trabalhado e as pessoas representam a própria vida; e o Teatro do Criador, mais próximo ao que mais tarde ficou conhecido pelo nome de Psicodrama Individual.

Apesar de tendências a associar a prática psicodramática a cultos à natureza humana, em sua essência, o objetivo do Psicodrama é despertar, reavivar a espontaneidade, estimular a ação, “desconservar” o indivíduo.

Ao longo de sua vida, sempre envolvido em estudos de psicologia, Moreno trabalhou em duas prisões, fundou seu próprio hospital para doentes mentais e abriu uma escola. O criador do Psicodrama morreu em 1974, aos 85 anos de idade, e pediu que em sua sepultura fossem gravadas as seguintes palavras: "Aqui jaz aquele que abriu as portas da Psiquiatria à alegria”.

Um comentário:

  1. Nossa, muitíssimo interessante!
    Há tempos havia ouvido falar no psicodrama mas não conhecia suas finalidades e fundamentos. Achei muito legal e até deu vontade de praticar!
    Inclusive, estive debatendo por estes dias com um amigo a respeito do cerceamento cultural do comportamento de indivíduos desde criança e essas informações sobre o psicodrama enriqueceu e muito o diálogo!
    Sempre muito bom passar aqui!
    Abraços!

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