quarta-feira, 9 de maio de 2012

OS DOGMAS DO CÉREBRO
Quebrando Mitos da Neurociência


Os avanços das técnicas e concepções da neurociência do nosso tempo colocam em xeque ideias ultrapassadas que o conhecimento popular ainda carrega consigo. Entre estas, estão a afirmação de que nós só usamos 10% de nosso cérebro ou, também, que temos 100 bilhões de neurônios.

Mas quanto estas afirmações estão corretas?

Pensando nisso, foi realizada uma pesquisa perguntando a estudantes do ensino médio e universitário sobre neurociência. Dentre as 95 afirmações realizadas, que tinham como opção apenas duas respostas, sim ou não, foi questionado se usamos apenas 10% do cérebro. Como resultado, quase 60% dos 2,2 mil estudantes entrevistados responderam que sim, estava correta.

Mas o fato é que esta afirmação está incorreta. Há muito tempo já é claro para a neurociência o conhecimento de que usamos todo o nosso cérebro o tempo todo.

Um estudo publicado no European Journal of Neuroscience em janeiro deste ano (2012) propõe que este mito tenha surgido de uma afirmação apresentada em 1979 pelo neurobiólogo canadense, David Hubel, que recebeu o prêmio Nobel de Fisiologia em 1981.

Hubel afirmava haver no cérebro 100 bilhões de neurônios e 1 trilhão de células da glia. Por ser uma pessoa pública e importante, quando repetida em outras publicações, a informação se disseminou. Como os neurônios são as unidades processadoras de informação – e representariam só um décimo das células cerebrais -, concluiu-se que os outros 90% do cérebro não seriam usados para se caminhar, pensar ou dormir.

Tão importante quanto as respostas destas perguntas, é descobrir qual o processo que leva afirmações falsas a serem tomadas como verdadeiras.

O fato é que esse resultado incomodou Suzana Herculano-Houzel, neurocientista, chefe do laboratório de Neuroanatomia do ICB-UFRJ, que buscou na literatura científica a fonte original desses números e não encontrou.

Este foi o estopim para Roberto Lent, neuromorfólogo e professor de neurociência do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ, que escreveu um livro cujo título é “100 Bilhões de Neurônios”, rever seus conceitos e na edição seguinte publicar “100 Bilhões de Neurônios?”.
                       
A história começou quando Suzana, que havia colaborado para o livro de Lent, levou a dúvida até ele, questionando como Lent sabia que são 100 bilhões de neurônios. E na realidade Lent não sabia, assim notou-se que ali existia um tipo de crença neste conhecimento. Esta crença se estrutura num tipo de conhecimento conhecido como tradição, algo que nos vem transmitido por um tipo de osmose cultural, que, supostamente, todo mundo sabe e todo mundo diz. Realmente, muitos artigos e livros traziam - e trazem - esta informação. Mas não diziam de onde a haviam extraído. Eram dados aparentemente intuitivos que se consolidaram e as pessoas citavam sem pensar muito.

Um dos motivos pelo qual não se encontram facilmente esses números é que não é simples contar as células cerebrais. Além de ser um órgão grande – o cérebro humano tem cerca de 1200 gramas e o encéfalo, 1500 -, sua arquitetura é complexa.

Áreas distintas contêm concentrações variadas de células e a técnica então disponível para contá-las, a estereologia, só funciona bem para regiões pequenas, com distribuição celular homogênea. Sua aplicação na contagem das células cerebrais gerava estimativas pouco confiáveis, que variavam até 10 vezes para algumas regiões e deixavam o cérebro humano com algo entre 75 bilhões e 125 bilhões de neurônios.

Visando o problema, Suzana teve uma ideia. Propôs tornar homogêneas as regiões cerebrais antes de contar suas células. A ideia era desmanchar as células. A principal razão da heterogeneidade do encéfalo é que as células e o espaço que as separam variam de tamanho. Após dissolver as células, a questão estaria resolvida, contanto que fosse possível preservar seus núcleos, a porção mais central - que abriga o DNA. Assim, como é conhecido que cada célula cerebral possui só um núcleo, seria possível contar. A soma dos núcleos daria a quantidade total de células. 

Em seguida, corantes que marcam apenas os neurônios permitiriam distingui-los de outras células cerebrais.

Usando compostos químicos que preservam as estruturas das células, a neurocientista conseguiu destruir apenas a membrana externa sem danificar o núcleo e, juntamente com Lent, descreveu a técnica em 2005 no Journal of Neuroscience, concluindo: “É um método inteligente, simples e fácil de usar e replicar.”

A máquina que transforma pedaços de cérebro em uma sopa de núcleos de neurônios é chamada de Fracionador Turbinado.

A contagem das células revelou que o cérebro humano possui, em média, 86 bilhões de neurônios - número 14% menor que o estimado antes.

Ao mesmo tempo, existem críticas diante os resultados encontrados. Como foram utilizadas amostras de pessoas de 50 a 71 anos, cedidas pelo banco de cérebros da USP, quem sabe indivíduos na faixa etária dos 20 anos não tenham 100 bilhões de neurônios, que se perderiam com o tempo.

Apesar disso, os resultados de Suzana e Lent levaram algumas ideias a respeito da composição e estrutura do cérebro, antes tidas como verdades absolutas, a serem questionadas. É fato que tanto os neurocientistas quanto a população em geral ainda tem uma visão distorcida sobre as quantidades e os significados dos neurônios e de outras células no sistema nervoso central.

Muitos ainda vêem o cérebro humano como especial e superior aos das demais espécies de animais. No entanto, a cada dia que passa, estudos vêem indicando que a maior parte desses neurônios, tanto em homens quanto em roedores, não estão no cérebro, mas sim no cerebelo. Apesar do cérebro possuir quatro vezes mais outros tipos celulares, como as células glias. Essas células, antes consideradas apenas suporte físico de neurônios, desempenham outras funções essenciais: auxiliam na transmissão dos impulsos, nutrem os neurônios e defendem o sistema nervoso central de microorganismos invasores. E claro, ocupam espaço. O cérebro e cerebelo são formados por tipos diferentes de neurônios, que se conectam de modo distinto. E, resumidamente, colocando em uma balança e comparando o número de neurônios do homem, como, por exemplo, dos macacos, a constante de proporcionalidade é a mesma. Ou seja, através deste ponto de vista, não temos nada de especial.

Assim, contrariamente do que imaginava-se, estudos indicam que a evolução não privilegiou apenas o desenvolvimento do cérebro. Constatado pelo mesmo grupo do Rio, mas em outro trabalho publicado, entre os mamíferos, a classe de animais a que pertencem os seres humanos, cérebros e cerebelo ganharam neurônios no mesmo ritmo. Esse resultado, segundo o neuroanatomista Alessandro Vercelli, da Universidade de Turim, fortalece as pesquisas que indicam que o papel do cerebelo não se restringe apenas ao controle dos movimentos. Ele é fundamental para o aprendizado, memória, aquisição da linguagem e o controle do comportamento e emoções. Cada vez nos é indicado que o cerebelo participa de processos que antes associávamos apenas a algumas regiões específicas como o córtex cerebral, assim, colocando em revisão mais um mito da neurociência.

Caso queira se aprofundar nas informações pictográficas sobre o que foi discutido a respeito do cérebro, um vídeo com o professor Roberto Lent:

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