Iniciado em 1901, as premiações de incentivo proporcionadas pela Fundação Nobel completa 110 anos em dezembro deste ano de 2011. O célebre Prêmio Nobel está ligado, profundamente, à história da ciência moderna, das artes, e do desenvolvimento político ao longo de século XX.
O testamento nada comum escrito, a próprio punho, por Alfred Nobel, que atraiu grande atenção na época, causando severas críticas pelo seu espírito internacionalista, hoje só inspira admiração e progresso.
Um homem que tanto lucrou com a guerra, sem dúvida proporcionou muito mais paz.
Renomado industrial, empresário e incentivador das artes, em seu testamento, datado de 27 de novembro de 1895, Alfred Nobel especificou claramente que a parte mais volumosa de seu patrimônio deveria ser transformada em ativo financeiro, posteriormente depositado em um fundo.
Como seria de se supor que envolveria quantias gigantescas, os juros e dividendos decorrentes de aplicações em papéis, mercados seguros e lucrativos deveriam ser divididos anualmente em cinco partes, cada qual revertida em um prêmio destinado à Química, Física, Literatura e à causa da paz. Posteriormente, em 1969, criou-se um prêmio em Economia.
A outra parte deveria ser integralmente canalizada em recursos e doada, a título de prêmio e incentivo, “à pessoa que tivesse feito a mais importante descoberta no campo da Fisiologia e da Medicina”, no ano anterior. Tudo isso foi registrado em seu testamento, esse que levou anos de negociações e amargos conflitos. Após superar os obstáculos iniciais, os fundamentos foram assumindo uma forma sólida com a criação da Fundação Nobel.
Meses após a sua morte, em 1897, os respectivos responsáveis pela escolha das premiações, descritos no testamento, o Parlamento Norueguês (Prêmio Nobel da Paz) aprovou o estatuto da Fundação. E em 1898 o Instituto Karolinska (Prêmio de Fisiologia e Medicina), a Academia Sueca de Letras (Prêmio de Literatura) e a Academia Real de Ciências da Suécia (Prêmio de Química e Física), todas estas comissões nomeadas por Alfred Nobel, também aprovaram o estatuto.
Assim iniciava-se a marcha pela premiação anual aos que mais se destacavam na pesquisa científica, humanística e pela paz.
Com o tempo, transformou-se na láurea mais cobiçada e prestigiosa do mundo, incluindo o prêmio em moeda que, a despeito de várias mudanças de quantias, em função das mudanças de cenário político e social do século, constituiu um efetivo recurso em prol do desenvolvimento científico, tecnológico e humano.
Nascido na capital da Suécia, Estocolmo, em 21 de outubro de 1833, Alfred Nobel era o terceiro filho de Immanuel Nobel e Caroline Ahlsell. Seu pai, engenheiro e inventor, destacou-se na construção de pontes e edifícios em Estocolmo. Era um visionário, seguia os passos da ciência de sua época e planejava realizar experiências relativas às varias técnicas de explosão de rochas.
Já a mãe de Alfred Nobel tinha pulso forte, sustentando a família com um trabalho simples, nos momentos das várias crises financeiras e falências sofridas pela família Nobel – inclusive no ano do nascimento de Alfred, momento este que os forçou a se mudar para a Finlândia apenas com a mãe, enquanto o pai trabalhava na Rússia, em São Petersburgo.
Immanuel Nobel obteve sucesso comercial na Rússia vendendo aos generais um tipo de minas de guerra, criadas por ele próprio, que traziam uma metodologia mais simples - consistindo em barris de madeira cheios de pólvora que eram submersos. Eficaz para a defesa na cidade, caso navios inimigos ameaçassem invadi-la - impediu muitas invasões.
Immanuel Nobel também foi pioneiro na produção industrial de armas e no desenho de máquinas a vapor. Com todo este sucesso, o pai de Alfred Nobel pode trazer toda a sua família para São Petersburgo. Lá, seus filhos tiveram uma educação primorosa com professores particulares. Estudavam ciências naturais, línguas e literatura. Aos 17 anos, Alfred Nobel era fluente em sueco, russo, francês, inglês e alemão. Seus interesses concentravam-se na literatura inglesa, poesia, química e física.
Mas seu pai não via com bons olhos o seu interesse pela poesia, tal como não aceitava muito o seu introvertimento. Com o desejo de que Alfred continuasse os prósperos negócios da família, para ampliar seus horizontes, enviou-o ao estrangeiro para estudar engenharia química.
Assim, durante dois anos Alfred visitou a Suécia, a Alemanha, a França e os EUA. Realizou diversos contatos e começou a vislumbrar novas possibilidades científicas e comerciais. Fez amizade com grandes cientistas, dentre eles o jovem químico italiano, Ascanio Sobrero, que três anos antes, havia inventado a nitroglicerina - uma substância líquida altamente explosiva.
A nitroglicerina era produzida pela mistura com ácido sulfúrico e ácido nítrico. Era considerada muito perigosa para alguma aplicação prática. Embora fosse mais poderosa do que a pólvora, o líquido explodia de maneira inesperada, devido a alterações de calor e de pressão, o que dificultava seu manuseio.
Desde o começo, Alfred Nobel ficou muito interessado na nitroglicerina, especialmente na possibilidade de utilizá-la na construção civil. Talvez pela convivência com os problemas de segurança que seu pai vivenciava, começava a antecipar um método de controle de detonação.
De volta a São Petersburgo, Alfred começou a trabalhar com seu pai e juntos transformaram a nitroglicerina em um explosivo comercial e tecnicamente viável. Mas, com o final da Guerra da Criméia, a família Nobel tornou a falir. Haviam investido tudo o que tinham em potenciais encomendas comerciais do exército russo e na guerra.
E mais uma vez foi necessário uma mudança na vida de Alfred. Tinha em mente desenvolver a indústria de petróleo, ainda desconhecida e ainda no início. Com a determinação de um empreendedor inigualável, investindo todos os recursos que dispunha no negócio, tornou-se a pessoa mais rica de seu tempo.
Mudou-se para Suécia e lá começou sua árdua caminhada pelo desenvolvimento da nitroglicerina como um explosivo, e apenas nele se concentrou. Em contraste com as grandes vitórias, neste tempo só obteve resultados catastróficos e prejuízos, juntamente com processos judiciais, protestos e manifestações contra as suas experiências em prol da guerra.
Por fim, Alfred teve que se mudar para um local onde poderia continuar seus experimentos.
Sempre agraciado por drásticas mudanças na vida, um ano após ter se mudado, finalmente obteve o resultado esperado e deu inicio à produção, em escala, da nitroglicerina.
A solução que havia encontrado para tornar o manuseio da nitroglicerina mais seguro e viável foi o uso de alguns aditivos, obtidos após inúmeras experiências. Descobriu que adicionando sílica à nitroglicerina obtinha-se uma pasta que poderia ser moldada em formato de bastões, de tamanho e forma adequados aos buracos para perfuração de solo.
Em 1867, patenteou este novo produto com o nome de dinamite – adicionalmente, também desenvolveu um complemento de segurança para a detonação.
Associando-se ao milionário J. W. Smitt, Nobel criou a primeira empresa no mundo a produzir nitroglicerina comercialmente. A empresa existe até hoje, com o nome de Nitro Nobel, que é controlada pela empresa norueguesa Dyno Industries, também originária de uma empresa de Nobel.
Inventor notável, Alfred Nobel criou a perfuradeira com cabeça de dinamite e a perfuradeira pneumática. Juntas, estas invenções permitiram a construção de obras monumentais, como, por exemplo, a construção do Canal de Suez e o Canal do Panamá. Também se envolveu com a borracha, couro sintético, vernizes, seda artificial e petróleo.
Inquieto e ambicioso, Alfred Nobel detinha em seu poder nada menos que 355 patentes, muitas de produtos de altíssima rentabilidade, de mercado exclusivo e de lucro cada vez mais vertical.
Com isto, Alfred Nobel tornou-se celebridade. E, diferentemente de seu pai, mostrou-se um hábil homem dos negócios, enriquecendo mais e mais. Exportava nitroglicerina para a Europa, América e Austrália. Ao longo dos anos, possuía empresas e laboratórios em cerca de 90 cidades, em mais de 20 países. E, embora Paris tenha sido a cidade escolhida para viver a maior parte de sua vida, Alfred estava constantemente viajando.
A vida tão intensa de Alfred não o dava espaço para cuidar muito bem das coisas corriqueiras da vida, e, aos 43 anos, decidiu contratar uma governanta. Recorreu a um anúncio para tal. Várias candidatas se apresentaram, mas a selecionada pelo próprio Nobel, a que mais reunia as qualidades almejadas, foi a bela e culta condessa austríaca Bertha Kinsky.
Bertha trabalhou pouco tempo com Alfred, preferindo retornar à Áustria para casar-se com o conde Arthur Von Suttner, cuja família opunha-se ao casamento. Mesmo assim, este curto espaço de tempo foi suficiente para criar uma longa amizade, documentada por inúmeras cartas e pelas fraternas dedicatórias dirigidas a Alfred Nobel nos vários livros escritos por ela.
Bertha fundou a Comissão de Paz da Áustria. E, ao longo dos anos, procurou aproximar Alfred Nobel de sua luta pacifista, para a qual, ainda que de forma pouco convicta, Nobel contribuía financeiramente.
Autora de um livro de grande impacto no mundo, “Die Waffen Nieder”, em que a heroína era a vítima de todos os horrores da guerra, Bertha era uma ativista na luta pela paz, especialmente pelo desarmamento. Mesmo quando idosa, nunca parou de escrever, viajar para debates e ministrar conferências em prol da paz, até o momento de sua morte.
Assim, não restam dúvidas de que a influência de Alfred Nobel na escolha de premiar pessoas ou organizações que promovessem a paz, foi influência direta de Bertha. De modo nada menos justo, Bertha foi a primeira mulher a receber o prêmio Nobel da Paz. E cem anos depois, ainda recebera outra homenagem: as moedas do euro, de 2 euros, exibiram a Áustria e efígie de Bertha Von Suttner.
Curiosamente, Alfred Nobel defendia, como muitos cientistas, a neutralidade da ciência, a ideia de que o cientista não é responsável pelo uso e pelas aplicações das descobertas que faz no laboratório. Ao mesmo tempo, numa carta à amiga Bertha Von Suttner, escreveu acreditar que o horror diante a destruição causada pelas invenções que desenvolvia teria mais eficiência em promover o fim das guerras do que os congressos e manifestações pacifistas.
A grandeza de Alfred Nobel está na capacidade de combinar a mente penetrante de um cientista e inventor com o dinamismo de um industrial que direciona, com maestria, o olhar para o futuro, ainda com a capacidade de compreender o valor da literatura e arte. Alfred, mesmo com a vida tão intensa, encontrava tempo para escrever e ler. Assim, o premio Nobel seria uma extensão e realização dos múltiplos interesses e talentos de Alfred Nobel.
Durante sua vida, Alfred apresentou problemas de saúde. Frequentemente, queixava-se de incômodos de digestão, dores de cabeça e, ocasionalmente, depressão. Sabe-se que passou por várias temporadas em estações de tratamento. Mas seu temperamento prático e a sede de viver o impediam de ficar tanto tempo em tais lugares - entediado.
Ao mesmo tempo, não teria se convencido da eficiência dos tratamentos baseados em terapêutica do banho, repouso e água medicinal – apresentados na época. Tanto que muito se criticou a escolha de Alfred pelo Instituto Karolinska, na época com o nome de Royal Caroline Medico-Surgical Institute, como responsável pela premiação do Fisiologia e Medicina, já que a instituição caminhava num sentido contrário à metafísica que permeava a medicina da época.
Assim, Alfred Nobel apresenta seu ceticismo.
Também é notável que, entre outros motivos para tais problemas psicopatológicos, os constantes momentos durante toda sua vida em que esteve entre o desespero e a catarse resultaram em estresse. Também a vida constante e solitária em laboratórios, com a companhia apenas de agentes químicos, e a corrida atrás da proteção das concessões de suas patentes e os longos processos ocasionados pelas famílias que tiveram seus entes envolvidos em acidentes graves e fatais durante experimentos em suas fábricas de explosivos serviam para agravar todo o quadro clínico de Nobel.
Diagnosticado um quadro cardíaco, debilitado pela angina pectoris, Nobel acabou sofrendo um derrame que o deixou parcialmente paralisado, morrendo em San Remo, na costa da Itália, em 10 de dezembro de 1896.
Assim como o italiano Leonardo Da Vinci, Alfred Nobel tinha o hábito de anotar em seu caderno todas as ideias e os estudos que desenvolvia. Esse intrigante hábito de Leonardo permitiu-nos ter acesso às anotações diversas sobre anatomia, náutica, mecânica, astronomia, instrumentos bélicos, poesias e pensamentos. Assim, foi possível conhecermos a fundo o fiel homem renascentista que revolucionou, entre outras disciplinas, a arte.
Alfred Nobel, conhecedor ou não dos tais cadernos, também os fez, o que permitiu-nos, após a sua morte, através de suas anotações e ideias, aparentemente esparsas e desconjuntas, mas entre outras, uma sequência de testes e experimentos “para mitigar a dor”, como ele anotou em um deles, compreende-lo melhor. Por meio dessas, encontrou-se brilhantes anotações de Alfred referentes a substâncias analgésicas, que comporiam a anestesia.
Tendo passado grande parte da sua vida no desenvolvimento do uso da nitroglicerina, Nobel ficou surpreso diante a receita prescrita por seu médico para a sua doença cardíaca. Fato que escreveu em uma de suas cartas a seu assistente e testamenteiro:
“Meus problemas cardíacos me manterão em Paris por mais alguns dias, até que meus médicos estejam de acordo quanto a meu tratamento imediato. Não é uma ironia que me tenham prescrevido nitroglicerina para tomar? Chamam-na Trinitrin, para não assustar os farmacêuticos e o público”.
Naquela época, a nitroglicerina foi usada sem um profundo conhecimento sobre o que realmente traria para o paciente. Mas, graças ao trabalho de Robert Furchgott, Louis Ignarro e Ferid Murad, que novamente, e ironicamente dividiram, em 1998, o prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina, pudemos saber que a nitroglicerina atua nesses processos liberando o óxido nítrico, NO, um gás comum e poluente.
Alfred tanto valorizava a importância da arte na vida humana que ficaram famosas as suas ponderações sobre a literatura, tal como: “Um recluso sem livros nem tinta é, em vida, um homem morto.” E como prova de seu interesse pela leitura e conhecimento, ao morrer deixou uma biblioteca de 1.500 volumes, um número apreciável para um milionário cercado de viagens e sem um endereço fixo.
Entre as obras, escritas em vários idiomas diferentes, estavam clássicos, filosofia, história, ficção e, ainda, obras em destaque da época – Nobel mantinha-se atualizado.
Também escrevera alguns livros, na maioria ficção, envoltos com suas críticas, o que deixa compreensivel o fato de que uma de suas premiações, segundo seu testamento, deva ser entregue “para aquele que tivesse produzido no campo da literatura o mais significativo trabalho na busca de um ideal”.
Em meio ao fim de sua vida, ainda teve mais uma grande invenção, a balistite, que, infelizmente, só lhe trouxera problemas. Com exportações em massa do produto de guerra, iniciou também uma campanha de imprensa para desacreditar Alfred Nobel pelo governo Francês – onde vivia na época. Entre outras, foi injustamente acusado de espionagem, roubo de patente, ameaçado de prisão e teve a licença para realizar experiências na França cassada.
Como conta Erik Bergengren em seu livro “Alfred Nobel”, todas as acusações eram completamente sem fundamentos, os pensantes da época sabiam – não passavam de interesses políticos.
Por fim, Alfred decidiu deixar a França. Mudou-se para uma agradável vila com vista para o Mediterrâneo, em San Remo, na Itália. Lá, dedicou-se aos escritos, entre eles, destaque para o romance “Três Irmãs”, no qual discutia a fé, o conhecimento e questionava a divindade de Cristo, e “A Patente do Bacilo”, baseada no dogmatismo e na burocracia que ele havia conhecido na Inglaterra:
“A Sra. Justiça sempre teve paralisia das pernas; portanto, sempre foi lenta. Mas, agora que isso afetou sua mente, ela parece ser insana demais, até para um manicômio”. |
Nobel era, em muitos aspectos, um homem da escrita. Estava sempre escrevendo cartas, anotando todo tipo de ideias e planos para suas invenções, filosofando sobre a origem do cosmos e sobre a evolução do homem, discutindo questões de fé e conhecimento, da guerra e de paz. Às vezes, escrevia 20 cartas por dia.
A amiga Bertha, em uma de suas cartas à Alfred, o define como um homem que tem uma concepção filosófica do mundo, e que crê no progresso. Para ele, as invenções e as conquistas científicas levariam adiante a humanidade. Também acreditava que a literatura pudesse contribuir para esse aperfeiçoamento, desempenhando um papel na direção ideal.
Em meio às suas anotações, mostrava grande interesse em desenvolver várias áreas do conhecimento, principalmente as ciências naturais, particularmente a tecnologia, mas ficava claro que em uma única vida não seria possível.
Mas saiba Alfred Nobel que de certo modo o legado o fez por você.
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