segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

A CRIAÇÃO INACABADA


Ao nascer, um bebê é frágil, pequeno, indefeso e, portanto, incapaz de cuidar de si mesmo ou manter-se vivo sozinho. Não é capaz de obter alimento ou se defender de possíveis perigos.

Segundo Kant, os animais são o que são e somente o homem não é, em sua origem, nada. Isso significa que todos os outros animais já nascem sendo tudo aquilo que eles deverão ser. O homem, por sua vez, é o único que nasce inacabado, devendo tornar-se aquilo que pode ser.

Na biologia evolutiva, tem-se a neotenia como uma propriedade de retenção de características típicas da juventude na idade adulta. Esse processo evolutivo resultaria, nos seres humanos, em uma capacidade de aprendizagem prolongada por toda a vida e flexibilidade genética que proporciona a adaptação a diversos meios e culturas.

Para os cientistas, é como se o homem nascesse com seu desenvolvimento inconcluso, devendo este ser acabado fora do útero. O bebê “humaniza-se” ao entrar em contato com o mundo e com os outros que habitam este mundo – através das relações sociais, ele aprende a ser homem.

“A natureza acabou todas as suas obras; mas abandonou o homem e o entregou a ele próprio.” 

Como diz Bernard Charlot, “Nascer é penetrar na condição humana”, é ver-se mergulhado em um mundo de coisas, relações e significados que já estava pronto antes da sua existência.  E isso faz com que a criança já nasça estando submetida à obrigação de aprender. Do contrário, não se tornaria homem, pois este só se constrói ao entrar em um sistema de sentido que diz quem sou eu, quem é o mundo, quem são os outros – movimento longo e complexo, nunca totalmente acabado, através do qual me construo e sou construído pelos outros:  a educação.

Mas ninguém poderá ser educado se não consentir e também não será possível aprender se não houver o contato com o outro, pois é preciso apropriar-se de algo que lhe é exterior.  Desse modo, vemos que a educação só é possível com a ajuda do outro e que é preciso mobilizar-se para aprender algo, o que só ocorre quando há significado naquilo que se aprende.

O desejo de ser é o que impulsiona o aprendizado dos primeiros anos, desejo de se apoderar do ser que lhe falta, de ser como o outro, e isto implica na obrigação de aprender. Este desejo contribui assim para a formação desse ser que não é apenas racional, é também afetivo, e aprende não apenas porque é racional fazê-lo, mas porque suas emoções fazem com que isso tenha importância.

Como certa vez disse Paulo Freire, somos seres programados, mas para aprender. Por não nascer ‘acabado’, o ser humano ganha essa aptidão para aprender, interagir com outros seres humanos e ser flexível, sempre podendo modificar-se – capacidades estas que o tornam diferente de todos os outros animais, o tornam humano.

Nenhum comentário:

Postar um comentário