"Descobrir a gota ocasional da verdade no meio de um grande oceano de confusão e mistificação requer vigilância, dedicação e coragem. Mas, se não praticarmos esses hábitos rigorosos de pensar, não podemos ter a esperança de solucionar os problemas verdadeiramente sérios com que nos defrontamos - e nos arriscamos a nos tornar uma nação de patetas, um mundo de patetas, prontos para sermos passados para trás pelo primeiro charlatão que cruzar o nosso caminho."
Carl Sagan
O maior legado deixado pelo cientista Carl Sagan foi a sua contribuição ao desenvolvimento e à divulgação da ciência. Sagan dedicou grande parte de sua vida a informar a sociedade sobre a ciência, seus benefícios, seus perigos, e seus falsos empregos, como nas ditas "pseudociências".
Uma das coisas mais importantes que o grande cientista frisava - talvez a mais importante - era a compreensão do método científico, o qual abordarei aqui de forma simples, de acordo com Sagan, embasada principalmente em seu livro - indispensável para qualquer pessoa - "O Mundo Assombrado Pelos Demônios - A Ciência Vista Como Uma Vela No Escuro".
Primeiramente, podemos dizer que a ciência é uma tentativa de compreender o mundo, de controlar as coisas, de ter domínio sobre nós mesmos, de seguir um rumo seguro. E em grande parte podemos considerá-la bem-sucedida.
Os cientistas podem descartar certas possibilidades ou explicações para algo, mas dificilmente acreditam que seu conhecimento da natureza seja completo, pois a ciência não é um instrumento perfeito de conhecimento humano. É simplesmente o melhor que temos.
Isto porque a ciência é mais do que um corpo de conhecimento, é um modo de pensar.
Hoje em dia, vivemos em uma civilização global onde elementos cruciais - como o transporte, a medicina e as comunicações - dependem profundamente da ciência. Mas, ironicamente, esta também é uma civilização onde ninguém entende a ciência.
O que ocorre é que a verdadeira ciência se perde pelo caminho antes de chegar às pessoas.
Os nossos temas culturais, o nosso sistema educacional, os nossos meios de comunicação traem a sociedade. O que escoa pelos canais da sociedade são principalmente simulacro e confusão. Quase nunca é ensinado como distinguir ciência verdadeira da imitação barata. A ponto de que não se tem ideia de como a ciência funciona.
Somente os relatos pseudocientíficos que enganam os ingênuos são acessíveis. As abordagens céticas são muito mais difíceis de encontrar. O ceticismo não vende bem.
Uma pessoa inteligente e curiosa, que se baseie inteiramente na cultura popular para se informar sobre uma questão qualquer, como ufologia ou astrologia, tem uma probabilidade centenas ou milhares de vezes maior de encontrar uma fábula acrítica do que uma avaliação sóbria e equilibrada baseada em conhecimento e evidências.
A ciência desperta um sentimento sublime de admiração. Mas a pseudociência também produz esse efeito, e quando as necessidades emocionais falam mais alto - coisa que a ciência frequentemente deixa de satisfazer – é onde nasce a pseudociência.
A pseudociência se dá através de estudos divulgados como sendo ciência, mas que na verdade não seguem o método científico à risca, implementando pitadas místicas, desejos e crenças.
Esse simulacro de ciência é adotado na mesma proporção em que a verdadeira ciência é mal compreendida, pois se alguém nunca ouviu falar de ciência (muito menos de como ela funciona), dificilmente pode ter consciência de estar abraçando a pseudociência.
A pseudociência age e se alimenta por meio da fé, nutrindo as fantasias sobre poderes pessoais que não temos e desejamos ter. Em algumas de suas manifestações, oferece satisfação para a fome espiritual, curas para as doenças, promessas de que a morte não é o fim.
Renova nossa confiança na centralidade e importância cósmica do homem, muitas vezes sustentando a ideia de que o ato de desejar dá forma aos acontecimentos. As vezes parece uma parada no meio do caminho entre a antiga religião e a nova ciência, inspirando desconfiança a ambas.
Renova nossa confiança na centralidade e importância cósmica do homem, muitas vezes sustentando a ideia de que o ato de desejar dá forma aos acontecimentos. As vezes parece uma parada no meio do caminho entre a antiga religião e a nova ciência, inspirando desconfiança a ambas.
Com a cooperação desinformada (e frequentemente com a conivência cínica) dos jornais, revistas, editoras, rádio, televisão, produtoras de filmes e outros órgãos afins, essas ideias se tornam acessíveis em toda parte criando e fervilhando credulidade.
Vemos no noticiário informações sobre seres extraterrestres que desenham em canaviais, nos jornais impressos a astrologia como sobremesa diária, nas revistas de grande circulação matérias gigantescas sobre curas através da fé, na Internet os vídeos muito acessados sobre o poder místico que nossa mente tem em relação ao Universo.
Todos se esquecem do poder que a imagem e a televisão tem sobre as pessoas, afirmando tudo em nome de uma dita ciência – uma falsa ciência.
O papel dos Médias (Meios de Comunicação em Massa), não é apenas nos comunicar as descobertas e os produtos da ciência – por mais úteis e inspiradores que possam ser – mas também, fundamentalmente, ensinar o seu método crítico, ensinar como a pessoa leiga pode distinguir a ciência da pseudociência.
O que acontece é as duas - ciência e pseudociência - serem apresentadas como afirmativas sem fundamentos – o que faz com que a pessoa leiga (público), normalmente, não saiba diferenciar uma da outra.
Muitos textos escolares, talvez a maioria dos livros didáticos científicos, são levianos nesse ponto, e com a dissimulação na escola e nos Médias, o que esperar das pessoas de nossa sociedade, senão que sejam assombradas pelos demônios da fé (crença sem evidência), fundadora das pseudociências, de erros e ilusões?
O método da ciência, por mais enfadonho e ranzinza que pareça, é muito mais importante do que as descobertas dela, por si só.
A ciência prospera com seus erros, eliminando-os um a um. Conclusões falsas são tiradas todo o tempo, mas elas constituem tentativas. As hipóteses são formuladas de modo a poderem ser refutadas. Uma seqüência de hipóteses alternativas é confrontada com os experimento e a observação. A ciência tateia e cambaleia em busca de melhor compreensão. Alguns sentimentos de propriedade individual são certamente ofendidos quando uma hipótese científica não é aprovada, mas essas refutações são reconhecidas como centrais para o empreendimento científico
A pseudociência é exatamente o oposto.
As hipóteses são formuladas de modo a serem invulneráveis a qualquer experimento que ofereça uma perspectiva de refutação, para que em princípio não possam ser invalidadas. Os profissionais são defensivos e cautelosos. Faz-se oposição ao escrutínio cético. Quando a hipótese pseudocientífica não consegue entusiasmar os cientistas, deduz-se que há conspirações para eliminá-la.
A distinção mais clara entre ciência e pseudociência é que a ciência sabe avaliar com perspicácia as imperfeições e a falbilidade humanas. Se nos recusarmos radicalmente a reconhecer em quais pontos somos propensos a cair em erro, podemos ter quase certeza de que o erro – mesmo o engano sério, os erros profundos – nos acompanhará para sempre.
Mas, se somos e formos capazes de uma pequena auto-avaliação corajosa, quaisquer que sejam as reflexões tristes que possa provocar, as nossas chances melhoram muito.
Podemos observar que a capacidade motora em pessoas saudáveis é quase perfeita. Raramente tropeçamos e caímos, exceto na infância e na velhice. Aprendemos movimentos como andar de bicicleta e de skate, saltar, pular corda ou dirigir um carro, e conservamos essa capacidade pelo resto de nossas vidas. Mesmo que passássemos uma década sem praticá-la, ela nos voltaria sem esforço.
Porém a precisão e a manutenção de nossas habilidades motoras podem nos dar um falso sentimento de confiança em nossos outros talentos. As nossas percepções são falíveis. Às vezes vemos o que não existe. Somos vítimas de ilusões de óticas. De vez em quando sofremos alucinações. Somos inclinados ao erro.
Porém a precisão e a manutenção de nossas habilidades motoras podem nos dar um falso sentimento de confiança em nossos outros talentos. As nossas percepções são falíveis. Às vezes vemos o que não existe. Somos vítimas de ilusões de óticas. De vez em quando sofremos alucinações. Somos inclinados ao erro.
Devemos ser capazes de distinguir entre o que nos dá prazer e o que é verdade, para não escorregarmos, quase sem notar, para a superstição e a escuridão. E o método da ciência contribui de forma maravilhosa para nos ajudar nesta tarefa.
A ciência pretende compreender como o mundo é na realidade, em vez de como desejaríamos que fosse.
A ciência nos convida a acolher os fatos, mesmo quando eles não se ajustam às nossas pré-concepções. Aconselha-nos a guardar hipóteses alternativas em nossas mentes, para ver qual se adapta melhor à realidade.
Ela nos impõe um equilíbrio delicado entre uma abertura sem barreiras para ideias novas, por mais heréticas que sejam, e o exame cético mais rigoroso de tudo – das novas ideias e do conhecimento estabelecido.
Ela nos impõe um equilíbrio delicado entre uma abertura sem barreiras para ideias novas, por mais heréticas que sejam, e o exame cético mais rigoroso de tudo – das novas ideias e do conhecimento estabelecido.
O método científico vem sempre acompanhado de um lembrete silencioso, mas insistente, de que nenhum conhecimento é completo ou perfeito.
Os cientistas tem em geral o cuidado de caracterizar como verdadeiras suas tentativas de compreender o mundo – que vão desde conjecturas e hipóteses altamente experimentais, até as leis da natureza, que são repetida e sistematicamente confirmadas por muitas pesquisas sobre o funcionamento do mundo.
Mas até as leis da Natureza não são absolutamente certas, pois podem haver novas circunstâncias nunca antes examinadas – dentro de buracos negros, dentro do elétron, ou perto da velocidade da luz, por exemplo - em que até as nossas alardeadas leis da Natureza caem por terra e, por mais válidas que possam ser em circunstâncias comuns, necessitam de correção.
Toda vez que fazemos autocrítica, toda vez que testamos nossas ideias no mundo exterior, estamos fazendo ciência. Quando somos indulgentes conosco mesmos e pouco críticos, quando confundimos esperanças e fatos, escorregamos para a pseudociência e a superstição.
Sendo independente, e relutando em aceitar o conhecimento convencional, a ciência se torna perigosa para doutrinas menos autocríticas ou com pretensões a ter certezas. As autoridades devem provar suas afirmações como todo mundo. Na ciência, não existem autoridades.
Os seres humanos podem ansiar pela certeza absoluta; podem aspirar a alcançá-la; podem fingir, como fazem os partidários de certas religiões, que a atingiram. Mas a história da ciência – de longe o mais bem-sucedido conhecimento acessível aos humanos - ensina que o máximo que podemos esperar é um aperfeiçoamento sucessivo de nosso entendimento, um aprendizado por meio de nossos erros.
Os cientistas não devem impor as suas necessidades e desejos à Natureza, mas interroga-la humildemente e levar a sério o que descobrem. Estimulam, desafiam, procuram contradições ou pequenos erros, propõem explicações alternativas, encorajam a heresia. Tanto que os prêmios mais valorizados são concedidos àqueles que convincentemente refutam crenças estabelecidas.
Podemos perceber que, no passado, a ausência do conhecimento científico proporcionava ignorâncias que, aliadas ao poder, motivavam atrocidades como queimar mulheres na fogueira e enforcamentos. E a cada novo ano, o irracional, a pseudociência e a superstição parecem mais sedutores e atraentes. Enquanto por outro lado, a ciência, nos levando a compreender o mundo como é e não como desejamos que seja, pode não proporcionar descobertas imediatamente compreensíveis ou satisfatórias.
É possível que precisemos de um pouco de trabalho para reestruturar nosso modo de pensar.
A ciência é muito simples. Quando se torna complicada, em geral é porque o mundo - ou o homem - é que é complicado. Ao nos afastarmos da ciência - por acharmos difícil demais, ou por não termos sido ensinados direito - abrimos mão da capacidade de cuidar de nós e de nosso futuro. Pois se possuímos alguma ferramenta para o combate ao erros, ilusões e falsas verdades, esta é a ciência, através de seu método.
Gosto muito deste blog, ele sempre reaviva meu lado cético, me faz refletir sobre o meu modo de ver o mundo e me estimula a tentar compreender de alguma forma o lugar no qual habito.
ResponderExcluirO alfabetismo científico colocado como título é realmente uma falha educacional no nosso país, e provavelmente em muitos outros. Digo isso pois fui aprender o que era ciência ao entrar na univerdade, ao conhecer Kuhn, Popper, Dawkins, e todos os outros filósofos e divulgadores da ciência.
Mas vi ali, isso na tão bem dita usp, que essa ciência dita é apenas um sonho. Ela não existe como posta, ela é movida por descobertas financiadas, por pessoas que alteram dados para que suas hipóteses não sejam refutadas, são mais uma área do conhecimento humano plenamente Subjetiva, e não objetiva como o sonhado.
Sei que isso é um lado, e existe a "boa" ciência. O que sempre estranho é essa santificação da ciência.
As religiões e crenças não são científicas, e vejo as tentativas de as tornarem aceitáveis cientificamente como piada. São conhecimentos diversos.
Agora muitas vezes percebo uma tentativa talvez não desejada, de tornar a ciência, como a grã verdade, a solução, o princípio e o fim, assim de alguma forma deus. E também acho esquisito.
Como acredito seja este o proposíto do blog, só jogo divagações. Não compreendo verdades. A ciência parece também ser falha, e o método talvez seja só mais um ritual humano. Um execelente ritual. Tudo dito a luz da minha ignorância.
Muito obrigado pelo texto.