sábado, 26 de junho de 2010

Mitos da Monogamia

Instintos X Escolhas



“Não há como questionar se a monogamia é ou não natural. Não é. Ao mesmo tempo, tampouco há razão para concluir que o adultério é algo bom ou inevitável. Animais, muito provavelmente, não podem escolher agir contra ‘o que vem naturalmente’. Já os homens podem.”

- David P. Barash, professor de Psicologia da Universidade de Washington e co-autor do livro O Mito da Monogamia.


Monogamia vem do grego mónos, que significa um, e gamos, que significa casal. Resumidamente, é o relacionamento com um único parceiro, sexual e afetivamente (sendo na maioria dos casos considerado mais importante o envolvimento sexual).

A questão de a monogamia ser ou não uma prática natural do ser humano é constantemente levantada.

Pode-se dizer que a maioria dos homens teria quantas mulheres pudesse sustentar, não fosse a existência de uma convenção social estabelecida. Em algumas culturas a poligamia é uma pratica absolutamente normal, tendo as sociedades patriarcais, onde os homens possuem várias mulheres e as sociedades matriarcais onde as mulheres possuem vários homens.

Mas tanto a monogamia quanto a poligamia são relacionamentos socialmente construídos.
Na Pré-História não existia nem um nem outro, homens e mulheres agiam simplesmente pelo instinto da procriação. Não havia casais, nem compromissos, ou sentimentos (talvez este ultimo o fator mais relevante). O elevado nível de mortalidade não permitia relações duradouras com ninguém, mas precisava-se de filhos.

Quando as sociedades foram evoluindo, começaram a se desenvolver os sentimentos e, consequentemente, os relacionamentos.
Em uma sociedade em um primeiro momento patriarcal, era vital que um homem tivesse várias mulheres que lhe dessem muitos filhos, até mesmo por causa das guerras. Tê-las só para si era sinônimo de status e quanto mais, melhor.

Aos poucos, a religião começou a impor a monogamia, tendo esta se instalado com mais força no advento da era Cristã.
Enquanto isso, no Oriente, outras religiões continuavam a pregar a Poligamia.
Ter mulheres era símbolo de status e não significava um relacionamento “amoroso”, era um contrato.

Não se pode ao menos comparar o amor daquela época ao de hoje. O meio social é um fator determinante no modo como enxergamos as coisas, e o sentimento também é uma delas.

A poligamia não é um “instinto natural” mais ou menos que a monogamia, pois qualquer relacionamento envolve sentimentos, estes que não existem no mundo animal, ao menos não de um modo sequer comparável ao do ser humano.

Natural do ser humano é o instinto de procriação. Se os meios para isso são monógamos ou polígamos não é de fato importante.
Se levarmos em conta que a mulher demora 9 meses para gerar um bebê, e enquanto isso um homem pode continuar espalhando milhões de espermatozóides por aí, é tendencioso acreditar que o homem foi projetado para ter várias parceiras sexuais.

Mas como explicar o alto índice de traições por parte do sexo feminino e por que antigamente adultérios não eram tão comuns quanto hoje em dia?

Primeiramente, a segunda pergunta é um erro. Antigamente o número de traições era tão grande quanto hoje em dia, a diferença é que a repressão e a hipocrisia eram avassaladoras, além de os meios para isso serem um pouco mais difíceis.
Hoje em dia, podemos inclusive trair pela internet, ou planejar meios para isso através dela (falarei sobre relacionamentos deste tipo em um de meus próximos textos), coisa que antigamente não acontecia.

Sobre as traições femininas, não é tão difícil imaginarmos que para elas a traição também ficou mais fácil com os tempos. As mulheres ganharam liberdade de expressão, para trabalhar, para serem o que bem entendam. E se os homens podem, porque as mulheres não? "Nós também podemos" foi talvez a motivação. E além disso, a cultura faz bem seu papel implementando valores de mulheres que devem ser sedutoras, sexy e realizadas sexualmente para mostrarem seu sucesso.

E numa sociedade onde a imagem é levada ao máximo nível de importância, ser desejada é algo a se perseguir. E do modo como se encontram as coisas, apenas o desejo não é suficiente, é preciso atender a ele. É preciso sê-lo, sentí-lo e realizá-lo. Ou o vazio não se preenche e as dores não são entorpecidas.

O motivo pelo qual as imagens são produzidas foi esquecido e ao invés de se servir das imagens em função do mundo, as pessoas passam a viver em função delas, como já dito aqui no blog.

Muitas pessoas tendem a generalizar e crer que a monogamia é praticada entre aqueles que negam a “própria natureza” para se encaixar nos moldes da sociedade cristã.
Mas o que vemos nestas pessoas é normalmente uma falsa moralidade que esconde as atitudes ocultas em favor dos instintos.

Não digo que a monogamia não existe, porque tenho provas de que sim (e qualquer um pode ser capaz de citar um casal que seja fiel e feliz há muito tempo, utilizando os termos do "senso comum" para se definir uma boa relação, o que aliás não é verdade pois um relacionamento realmente vantajoso e escolhido racionalmente seria a definição mais real), mas normalmente é apenas uma máscara.

Apenas 3 ou 5% das espécies de mamíferos formam laços duradouros e monógamos, incluindo os humanos. "As espécies humanas evoluíram para formar compromissos entre homens e mulheres com o propósito de cuidar das crianças" diz a antropóloga evolucionária Jane Lancaster.

Para os cientistas, a definição de monogamia varia. O termo monogamia social é utilizado para se referir aos casais que se unem para criar seus filhos, mas que ainda têm "casos extraconjugais". A monogamia sexual seria aquela em que os parceiros só se relacionam um com o outro.
Assim, um homem que tenha um encontro amoroso com uma mulher e volte para casa a tempo de colocar o filho na cama, é considerado socialmente monógamo.

Naturalmente monogâmico é, por exemplo, o ganso, que se acasala apenas com um parceiro e nunca mais se acasala caso este morra.

Natural do ser humano é a vontade, e não apenas esta, a sexual. E o que é a vontade senão uma fé?
Uma espécie que alega se diferenciar das outras devido à sua capacidade de pensar, não deveria querer se colocar ao lado destes seguindo seus instintos programados como eles.

A humanidade está falindo, buscando meios para justificar seus comportamentos "impulsivos", quando deveria estar buscando a liberdade perante seus instintos. Não se justifica um comportamento irracional, não se corrige um erro que poderia ser evitado, e não se pode ter a capacidade de escolher algo enquanto não houver liberdade no ato de escolher.

Para que possa realmente existir a monogamia, a fidelidade depende de uma escolha racional de ambas as partes. Mas para tomar uma decisão destas, é preciso antes ter a capacidade de escolher.

Quando se entende a vontade, o "eu", e tudo o que está envolvido na relação entre essas duas coisas e o mundo real, é que se pode ser capaz de compreender o porquê de se fazer tal ou tal escolha.

Talvez muitos compartilhem, ainda após este texto, da opinião do jornalista Gay Talese, autor do livro "A Mulher do Próximo", clássico sobre a sexualidade americana antes da era da Aids, que diz: “Apesar da força moral da tradição judaico-cristã e de a Justiça ter procurado purificar o pênis e restringir sua semente à instituição sagrada do matrimônio, ele não é por natureza um órgão monógamo. Desconhece códigos morais, foi projetado pela natureza para o esbanjamento, adora a variedade, e nada, exceto a castração, eliminará seu pendor para a prostituição, a fornicação, o adultério ou a pornografia.”

Mas a importante observação do professor de psicologia David P. Barash talvez signifique algo para aqueles que querem ser mais do que seus instintos, que querem poder escolher por si mesmos quem são e serão: "Animais, muito provavelmente, não podem escolher agir contra ‘o que vem naturalmente’. Já os homens podem.”

Ou poderiam, se tivessem liberdade suficiente para isso, e coragem suficiente para alcançá-la.

4 comentários:

  1. Ótimo texto, gostei especialmente do final :)

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  2. O texto me trouxe ótimas reflexões: "ser natural é bom?", "ir além dos instintos é a condição humana?" e tantas outras...

    Confesso, porém, um desconforto em relação ao homem ir além do que vem naturalmente - talvez pela minha visão de biólogo, não sei -, mas às vezes penso que culpamos o nosso 'ser animal', por agir, quando a "culpa" talvez seja da nossa capacidade de padronização através das regras. Clichê, mas sempre instigador.

    Afinal, vale a pena brigarmos com o nosso eu e irmos além do que vem naturalmente?

    Digo isso, pois vivo uma fase muito forte de reconstrução do ser, e quanto mais entro no que vejo com meu lado animalesco, e não racional-social, mais respostas encontro.

    Apenas, reflexões. Aguardo outros textos.

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  3. Texto bom, interessante de ler.
    mas surgiu uma dúdiva: no caso da traição, é errado seguirmos os intintos?
    responde,responde!!!

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  4. Karol, "certo" ou "errado" não é o que devemos levar em conta. No caso de traição, ou qualquer outro tipo, o que conta é que não se é livre para escolher como agir, apenas segue-se um instinto, o que, como eu disse no texto, nos equipara aos seres que nós mesmos dizemos não terem a capacidade de pensar sobre o que estão fazendo.
    Vontades, instintos e desejos vêm das nossas experiências, estas que nos são impostas pela vida e nos tornam quem somos, e nos impedem de sermos donos de nós mesmos, nos tornando escravos de nosso próprio "eu".
    Assim, podemos dizer que, para alguém que preze sua liberdade de escolher quem é e será, seguir qualquer uma dessas coisas seria ir contra seus próprios objetivos e pensamentos, no sentido de que isto é fazer algo que apenas a aprisiona em si mesma.

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