sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Manual de Construção e
Funcionamento Biológico: DNA


Neste texto buscarei desmistificar o senso comum sobre o DNA, este que é apenas o Manual de Construção e de Funcionamento Biológico.

Os ovos são estruturas biológicas simples (ainda mais se compararmos com o que sai deles). Mas estamos acostumados com coisas complicadas saindo de ovos.

Um pintinho sai de um ovo bastando para isso apenas um pouco de calor. A mosca surge de uma larva, que saiu de um ovo. E nós, humanos, também viemos de um ovo, ou seja, viemos de células-ovo que são constituídas no ovário, indo em direção ao útero através das tubas.

No ovo de uma galinha, há várias células sobre a gema, que originarão o pintinho. O crescimento de uma pena é mais complexo do que as células que originam o pintinho inteiro.

Como a complexidade pode surgir da simplicidade?
Será que existe um “princípio organizador” da vida?

Sim, é o projeto escrito no DNA.

Todas as formas de vida possuem os chamados ácidos nucléicos, que têm esse nome por terem sido descobertos no núcleo das células. Os ácidos nucléicos são as maiores e as mais importantes moléculas orgânicas. Essas moléculas se encontram presentes em todas as formas de vida, desde vírus até mamíferos, e não são uma particularidade dos seres humanos.

Há dois tipos identificados de ácidos nucléicos: o DNA (DesoxirriboNucleic Acid, ou ácido desoxirribonucléico), que tem esse nome porque o açúcar que o forma é a desoxirribose; e o RNA (RiboNucleic Acid, ou ácido ribonucléico), cujo nome vem do açúcar que o compõe, a ribose.

Depois de desvendada boa parte dos mistérios e do mecanismo desses ácidos, em especial do DNA, os cientistas puderam então começar a entender o funcionamento da vida e da perpetuação das espécies.

O DNA é formado por moléculas imensamente compridas ao longo das quais há uma enorme quantidade de informações, que indicam ao organismo em desenvolvimento – a mosca, o pintinho, ou você – como se construir. Se tentarmos localizar o DNA, veremos que ele não se concentra em uma parte específica do corpo, mas é distribuído entre as células.

No núcleo de cada minúscula célula humana, há cerca de 2 metros de “fios” de DNA – um imenso espaço para muitas informações e projetos.

Mas o DNA não faz nada para que essas informações sejam transformadas em organismos vivos. Ele apenas fica lá, imóvel. O DNA não “faz” uma pessoa, como pode parecer levando em conta o que vemos em jornais, revistas ou mesmo nos livros de biologia.

Pessoas, moscas e dinossauros não são feitos de DNA, assim como um bolo não é feito do papel e da tinta do livro de receitas. As células são como ferramentas que lêem o que está escrito no DNA e fazem novas ferramentas (proteínas), ou formam estruturas, ou lidam com energia, e inclusive duplicam o DNA.

Numa bactéria, em um certo momento, as “ferramentas” (ao ficarem em excesso e se acumularem) crescem e se dividem. Um ovo é um pouco mais complicado. Ele não cresce e se divide, mas se desenvolve e tranforma-se em algo diferente e geralmente maior, chamado de embrião.

O ovo origina diferentes tipos de células (possuímos cerca de 250 tipos de células diferentes) que se submeterão aos processos de formação do padrão corporal (relacionado à organização espacial, colocar músculos e ossos no lugar certo para que, por exemplo, braços e pernas ou asas de morcego e de aves, sejam diferentes) e de morfogênese (mudança de forma do embrião através de mecanismos físicos).

O embrião usa o ovo como fonte de energia e também produz algo diferente, que pode ser, por exemplo, uma larva para formar uma mosca, ou um feto que se transformará num bebê.

O DNA está sempre presente, especificando o que deve ser formado, e os genes contribuem com as características a serem apresentadas.

Há muitas realidades físicas e químicas e regularidades biológicas que “já vêem prontas” - que o DNA não precisa especificar ou mudar (não precisa tornar a água molhada ou as gorduras insolúveis por exemplo). Até 60% das informações do DNA consistem nessas “sequências conservadas”, que são iguais em todos os seres vivos. Por mais que uma mosca pareça diferente de um camundongo ou de um ser humano, o que a embriologia mostra é que todos eles se desenvolvem de maneiras muito semelhantes, até usando genes bastante parecidos.

Então porque os organismos são tão diferentes?

O desenvolvimento de quase todos os animais começa no ovário da mãe, onde as células-ovo são construídas. Depois que o ovo molda a arquitetura básica do futuro animal, os genes que controlam o desenvolvimento sabem onde estão e o que devem fazer. Diferenças sutis nos genes são o que mudam o comportamento celular ao longo do desenvolvimento, gerando grande diversidade das formas animais.

Pense nas substâncias do ovo como um toca-fitas, e no DNA como a fita. No início do desenvolvimento, a fita deve ser colocada no local certo para ser tocada, depois o volume e a velocidade do toca-fitas ajustados, os trechos que serão ouvidos escolhidos e colocados em ordem; aí então, aperta-se a tecla para ouvir a fita.

Digamos que tenhamos dois DNA’s idênticos.

O ovo (toca-fitas) da mosca lê o DNA (fita) na ordem a,b,c,d ; O ovo da galinha lê o DNA na parte z,x,w,y.
Assim, se trocássemos o DNA da galinha e da mosca não faria a mínima diferença. Nasceriam uma galinha e uma mosca perfeitas, pois apenas seriam lidas as partes de DNA na ordem necessária para a formação de cada indivíduo, lembrando que os dois são hipoteticamente idênticos.

Agora consideremos os DNA’s de moscas e galinhas (o DNA diferente de cada uma mesmo, não os hipotéticos DNA’s iguais). Mesmo que a fita fosse lida de forma organizada o suficiente para a formação de um embrião, o que conseguiríamos com o desenvolvimento de uma mosca numa estrutura de ave? Mesmo que (por um milagre) uma larva fosse obtida, como ela sairia da casca do ovo de galinha? E o contrário? Mesmo que o embrião de pintinho pudesse começar sua formação com o material do ovo da mosca, rapidamente acabaria a gema e o minúsculo embrião de pintinho não seria eficaz em conseguir comida sozinho para continuar seu desenvolvimento.

Sendo assim, DNA de dinossauro obtido de sangue de dinossauro preservado num inseto, não faz um dinossauro. Para tocar a fita de DNA de um dinossauro, é preciso um ovo de dinossauro da mesma espécie: é preciso o toca-fitas adequado. Portanto, nada de “Jurassic Park”. E também não é possível “conservar-se” uma espécie animal apenas armazenando o DNA da mesma.

O DNA apenas não basta, é só metade do sistema.

Todo o processo de desenvolvimento funciona como um bloco. Cada pedaço de informação sobre o contexto (como os mecanismos presentes no ovo) é necessário e específico para cada pedaço de informação de conteúdo (como a contida no DNA). Você não pode culpar o DNA por aquilo que você é, o que você se tornou. Você é resultado de um processo – o processo inteiro.

O que faz um ser vivo é todo o processo de desenvolvimento. E você, o processo (o que você faz, como se desenvolve), é responsável pelo que você é, pelo que você se torna.

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