sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

RUMO AO MISTÉRIO DA CONSCIÊNCIA



O mistério da consciência permeia toda a história do homem, o pertubando e incitando questionamentos sobre tudo e sí mesmo. Este texto foi, inicialmente, publicado na Revista Livre Pensamento nº1, e tem o objetivo de clarear boa parte das ideias que podem ser compartilhadas por ciência e filosofia sobre esta questão.

Assim, para não correr o risco de cometer enganos, é necessário ter um olhar multidimensional  para a consciência, como já disse o sociólogo Edgar Morin. Olhar para a maior quantidade de lados para evitar a cegueira de uma visão unilateral, fadada ao erro e ilusão, procurando a resposta para a pergunta errada.

Comecemos olhando nas vísceras, através da física, para desmistificarmos a infeliz associação de consciência com inteligência. Segundo o médico fisiologista, Edgar Douglas Adrian (1889-1977):  

O cérebro é uma estrutura de células e fibras nervosas, encontrado em alguns, mas não em todos, os animais. Aqueles seres que não possuem um cérebro no mais estrito senso anatômico, apesar disso são capazes de realizar tarefas complexas, bem adaptadas às circunstâncias, definindo um comportamento que pode ser chamado de inteligência.
E dentro de nosso próprio corpo existem muitas células nadando livremente na corrente sanguínea e se comportando como seres vivos mais ou menos independentes, evitando o que lhes é maléfico e se aproveitando do que é bom. Teriam essas células algum direito a reivindicar a posse de uma própria mente? (Nicolelis, 2011, pg.60,61).

Essa é a observação de um homem que fez nada menos que medir com exatidão como informações sensoriais (tato, olfato, visão, audição e gustação) sobre o mundo externo e o corpo são codificadas em salvas de eletricidade, a linguagem da mente, para então serem transportadas por nervos periféricos para todo o cérebro. Por tudo isso, Adrian mereceu compartilhar o prêmio Nobel de Medicina em 1932.

E pensar que tudo começou por Adrian, juntamente com um amigo, chegar a pensar em disparos elétricos biológicos supostamente de natureza binária, 1 ou 0. E desta natureza algorítma surge a inteligência, existente nos mais simples organismos, e naqueles mais complexos, que possuem um cérebro, acontece com um processamento drasticamente evoluído.

Assim, vemos quão difícil é delimitar a consciência. Mas como propôs o filósofo da mente Daniel Dennett, talvez não exista uma consciência, mas sim tipos de mente.

E o fio que liga a definição de mente, possibilitando que todas compartilhem do mesmo título, é algo nomeado de “Postura Intencional”. A Postura Intencional, também conhecida como Sistema Intencional, é o conceito de um sistema cujo comportamento pode ser – pelo menos às vezes – predito com base em atribuições a ele de crenças e desejos (esperanças, medos, intenções, pressentimentos...). 

Ao contrário das mentes da grande maioria dos outros animais, a mente humana possui um “sistema intencional” - que interage com o ambiente e o prevê.

Enquanto uma gazela nasce programada para agir de uma determinada forma diante de cada estímulo, ou percepção do ambiente (não tem a capacidade de aprender com as experiências, no entanto, já nasce com alguns conhecimentos empíricos instintivos), a mente humana é capaz de passar por duas experiências diferentes e ter a capacidade de julgar qual delas é a mais apropriada.

Como exemplo, as gazelas que estão sendo caçadas por predadores muitas vezes fazem algo, chamado “stotting”:

Elas dão saltos ridiculamente altos, que obviamente não trazem qualquer beneficio à sua fuga, mas são planejados para chamar a atenção dos predadores para sua velocidade superior:

“Não se dê ao trabalho de me caçar, cace meu primo. Sou tão rápido que posso desperdiçar tempo e energia dando estes saltos tolos e ainda assim vencer você.” E aparentemente isso funciona; os predadores regularmente voltam suas atenções para outros animais. (DENNETT, 1997, p. 113).

E nós, humanos, ainda diferenciamos nossa mente de qualquer animal pelo fato de não tomarmos apenas quaisquer decisões, mas tal como o método de pesquisa científica do filósofo Karl Popper, que uma vez refinadamente colocou, esse reforço nos permite que nossas hipóteses morram em nosso lugar. Uma intencionalidade de terceira ordem dentro da seguinte convenção:

"Um sistema intencional de primeira ordem tem crenças e desejos sobre muitas coisas, mas não sobre crenças e desejos. Um sistema intencional de segunda  ordem tem crenças e desejos sobre crenças e desejos, suas próprias ou aquelas de outros. Um sistema intencional de terceira ordem seria capaz de feitos como querer que você acredite que ele quer algo, enquanto um sistema intencional de quarta ordem pode acreditar que você queria que ele acreditasse que você acreditasse em algo, e assim por diante. (DENNETT, 1997).

Assim, dentro dos tipos de intencionalidade, estamos no terceiro andar na torre de criaturas popperianas. Nosso tipo de mente nos proporciona que nossas hipóteses morram em nosso lugar no envolvimento com um ambiente ainda não experienciado. A beleza da ideia de Popper é exemplificada no desenvolvimento de simuladores de vôos realistas utilizados para treinar pilotos de avião:

Em um mundo simulado, os pilotos podem aprender os movimentos que devem executar em cada crise, sem jamais arriscar suas vidas (ou os aviões muito caros). Como exemplos do truque popperiano, porém, os simuladores de vôo são enganadores em um ponto: eles reproduzem o mundo real muito literalmente.

Devemos ser muito cuidadosos para não pensar no meio interno de uma criatura popperiana como simplesmente uma réplica do mundo externo, com todas as contingências físicas daquele mundo reproduzidas. (DENNETT, 1997, p. 84). 

E a resposta do porquê de todos esses tipos de mente, poderia ser respondida pelo biólogo Charles Darwin, observando que toda a evolução e mudança ocorrida em seres vivos, apesar de acontecer através de mutações, têm de ser necessária para que se mantenha.

Caminhando nesta direção, induzimos a consciência como um produto lateral da evolução. Segundo Darwin, acontecem erros na transmissão de características entre gerações, e estes ocasionariam possibilidades naturais para sobrevivência e melhor adaptação, levando em consideração que é fato a mudança contínua de ambientes, climas e vegetações nos mesmos lugares. Nas palavras de Darwin,

(...) qualquer ser que sofra uma variação, por menor que seja, capaz de lhe conferir alguma vantagem sobre os demais, dentro das complexas e eventualmente variáveis condições de vida, terá maiores condições de viver, tirando proveito da seleção natural.(DARWIN, 2009b, p. 30). 

Complementando, segundo o biólogo Richard Dawkins, somos máquinas de sobrevivência e replicação dos nossos genes. É o egoísmo dos nossos genes que substituiria um animal, dando lugar a outro. 

Exemplificando o conceito de Seleção Natural:

Digamos que nasceram cinco filhotes de lobos. Quatro deles são bem fortes, ágeis e com uma pelagem fina, do mesmo modo que seus pais. No entanto, um deles não é tão forte e nem tão ágil, e ainda possui uma pelagem bem grossa, o que dificultaria a sua vida, considerando o ambiente aberto e de extremo perigo predatório. Porém, o ambiente onde os filhotes vivem teve mudanças significativas. O frio se tornou cada vez mais drástico e, especificamente nesta geração, ele prejudicaria a resistência da espécie nativa de lobo que lá habitava. O filhote que sofreu mutação teria poucas chances de sobreviver no antigo ambiente, por ser fraco e lento, mas neste novo ambiente ele poderá se aquecer do frio com a sua pelagem e desta forma se adaptar melhor que os outros - que irão sendo extintos por sua incapacidade de sobrevivência.  

Pense em uma mariposa. Poderiamos especular que talvez ela seja uma candidata a um suposto início na longa trajetória até o que chamamos de consciência, Postura Intencional de terceira ordem, igualmente ao que ocorreu à nossa espécie. Em determinadas épocas, o inseto costuma ficar em constante impacto com lâmpadas, ou instrumentos luminosos. Isso acontece pelo fato de as mariposas estarem programadas para seguir a luz solar - o Sol, obviamente -, este foi o mecanismo realizado pela natureza para que o inseto vá em direção a seus alimentos. 

Mas houve uma mudança considerável no ambiente, a partir de Thomas Edison, com a invenção da lâmpada - algo não esperado pelos nossos genes. Isto proporcionou o comportamento estúpido das mariposas, compulsivamente se arremessando contra esses objetos luminosos. E apenas a capacidade de aprender com a experiência poderia ser a salvação da mariposa.  

Suspeita-se que de algo de forma semelhante aconteceu com o homem para o primeiro despertar de uma proto-consciência. O que não seria nada mais do que valores e crenças injetados na mente do animal. No homem, talvez a contradição tenha sido tanta, que ao acaso, como um relojoeiro cego, que por “sorte” acerta as horas, uma mutação proporcionou uma mente capaz de mudar sua realidade durante sua vida e não mais esperar por milhares ou milhões de anos, através da capacidade de imaginar novas experiências.

E essa ideia de criatura popperiana chega a veras semelhanças com a noção de intencionalidade de Brentano e virtualidade de Gilles Deleuze, ou seja, é a promessa que nos foi feita pela percepção - a fé seria a peculiaridade da consciência. Criticas surgem de místicos e religiosos por acreditar que a crença não é um ato racional do ser, ou seja, que ela é independente do ser, uma peculiaridade especial na personalidade. Pensando assim, seria possível, em um experimento de inteligência artificial, implementar-se uma crença induzida na mente de uma pessoa:

Suponhamos por um momento que nos coloquemos na posição de um homem que acorda e descobre uma crença induzida não racionalmente em sua cabeça (ele não sabe que ela foi induzida não racionalmente; ele apenas encontra essa nova crença no curso de uma reflexão, digamos). (DENNETT, 2006a, p. 330, 331).

Podemos contar diversas estórias diferentes, e conservá-las tão neutras quanto possível; Suponhamos que a crença induzida seja falsa, mas não maluca: a pessoa (vamos chamá-la de Tom) foi induzida a acreditar que tem um irmão mais velho em outra cidade (Cleveland). Assim:

Tom está em uma festa e em resposta à questão “Você é filho único?” ele responde: “Eu tenho um irmão mais velho em Cleveland”. Quando lhe pergunta então “Qual é o nome dele?”, Tom fica desconcertado. Talvez ele diga alguma coisa como: “Espere um minuto. Porque penso que tenho um irmão? Nenhum nome, nem rosto, nem experiência dele me vem à mente. Não é estranho? Por um momento, tive a convicção de que eu tinha um irmão mais velho em Cleveland, mas agora que penso de novo em minha infância, lembro perfeitamente bem que sou filho único”. (DENNETT, 2006a, p. 331).

Se Tom saiu de sua lavagem cerebral ainda predominantemente racional, sua crença induzida pode durar apenas um momento, uma vez descoberta. Por essa razão, uma única crença induzida é impossível, pois mesmo que seja possível no futuro implementá-la, ela é inconsistente – não seria capaz de se manter sozinha. 

Assim, não há como negar que o fenomenólogo da percepção, Maurice Merleau-Ponty, tem bons argumentos para concluir que o homem é o resultado da complexidade de sua própria vida, aquilo que foi condicionado pelas suas experiências, misturado com as determinadas condições de seu organismo fisiobioquímico. A cada tomada de decisão através da consciência - que é a marca do sistema mental humano -, a sua percepção vai formando o que você é.

Este é o surgimento do nosso "eu", aquilo que pensamos, aquilo que somos, aquilo que pensamos que somos. Tudo a priori programado e limitado por nosso corpo e experiências.

Concluindo, percorrendo da semiótica à neurociência, a ideia de que nosso cérebro é um simulador de realidade que nos condiciona a um mundo virtual, como pensa o filósofo Jean Baudrillard, é como podemos entender a consciência, e, nas palavras do neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, essa virtualidade compõe a máscara de realidade, opiniões, amores,preconceitos, injustiças, que nós tão orgulhosamente, e por vezes, cegamente vestimos a cada milissegundo de nossas vidas, jubilosamente ignorantes de como e de onde tudo isso vem. (NICOLELIS, 2011, pag. 51).

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