quinta-feira, 3 de março de 2011

CARNAVAL

Tempo de dar adeus à carne

Tradicionais bonecos de Olinda do Carnaval brasileiro 

Desde as eras mais antigas, todas as manifestações festivas de diferentes povos para comemorar um evento precediam um evento histórico ou místico, muitas vezes ambos ao mesmo tempo. Eram associadas a uma expressão religiosa, ou ao comportamento da natureza - como o ritmo das estações.

Essas festas aconteciam em épocas de colheita, quando era possível descansar e festejar, além de serem muito importantes para as sociedades agrícolas primitivas que tinham como finalidade, em todos os tempos e em todas as tribos, reunir as populações do campo e, mais tarde, das cidades, com o objetivo de obter união entre camponeses e habitantes dos núcleos civilizatórios - fortificando a estrutura social e econômica local.

A mais profana dessas festas, do latim carnevale, que significa "adeus à carne", é de origem profundamente religiosa, embora isso tenha sido esquecido. No passado, o Carnaval, consistia em uma preparação quase indispensável à longa penitência da Quaresma.

Assim, rompia-se a monotonia dos trabalhos, às vezes de escravos, e conseguia-se estabelecer intervalos de descanso, de alegria e até mesmo de orgia, como ainda ocorre atualmente. O Carnaval é o ápice do momento de desligamento da dura realidade de um mundo. Vamos mais a fundo para compreender este ritual primitivo, mas tão moderno.

Em seus primórdios, a dura realidade se dava a partir do fato de que tudo dependia do esforço muscular do homem, pois a ciência e a tecnologia ainda não haviam criado as condições da vida moderna, quando a máquina facilita as tarefas e aumenta os momentos de lazer que cada vez mais absorvem a atenção do indivíduo.
"...assim, o ritual carnavalesco proporcionava uma ruptura com o cotidiano provocando uma inversão de valores dos hábitos diários, conduzindo com frequência a uma ultrapassagem das normas de vida em consequência dos excessos e orgia..."
 
Para isso, contribuíam as bebidas fermentadas, conhecidas desde as épocas mais remotas pelos povos que se liberavam dos condicionamentos sociais.

E o homem ainda canaliza toda sua angústia reprimida e a sublima nesta festa através de bebidas, sexo e danças (os noticiários não me deixam mentir ao fazer campanhas, rotineiramente, nesta época, através da distribuição em massa de preservativos).
A unica diferença é que alguns dos motivos da angústia humana se modificaram.

Durante estas festas, tinha-se refeição farta, trocas de presentes, cortejos, tal como em outras comemorações, mas possuía suas peculiaridades como desfiles, as músicas, as danças e as máscaras, que davam maior solidez aos diferentes grupos sociais que interagiam e se integravam a esse regozijo mútuo - que mantém-se ainda hoje.

Ao lado desse substrato exclusivamente social, existia também um fundamento astronômico: em todos os grupos tribais e em todas as religiões, as festas, fossem elas solsticiais ou equinociais, tinham como meta sacramentar o tempo e delimitar o calendário civil e religioso desses povos.
"...mas acima de tudo, o Carnaval é o resíduo das festas que excomungavam todo o sofrimento passado e criava significância à felicidade e alegria a tudo o que lhes era negado - que seria exaltado..."

Assim faziam os egípcios nas festas de Ísis e do touro Ápis; as bacanais entre os gregos; as lupercais e as saturnais entre os romanos. Assim estes festejavam com festins, danças e disfarces.
Embora seja muito difícil caracterizar a origem verdadeira do Carnaval, parece que os nossos atuais festejos estão intimamente ligados às duas últimas festas romanas. Logo após o início do Ano Novo, os romanos, nas calendas de Janeiro, comemoravam as saturnais, festas instituídas por Janus em memória do deus Saturno que, segundo a lenda, teria transmitido a arte da agricultura aos italianos.

Durante as saturnais, as distinções sociais não eram levadas em consideração. Os escravos ocupavam os lugares de seus patrões, que até os serviam à mesa. Também nesse período, não funcionavam os tribunais e as escolas. Os julgamentos eram suspensos e os condenados não podiam ser executados. Interrompia-se toda e qualquer hostilidade.

Os escravos percorriam as ruas cantando e se divertindo na maior desordem. As casas eram lavadas e purificadas. As pessoas de um certo nível social preferiam se retirar para o campo, durante as saturnais, o que permitia ao povo celebrar com maior alegria esse período de liberdade.

Numa sequência lógica aos excessos libertários, os romanos procediam à sua purificação pelas comemorações das lupercais, festas celebradas em 15 de Fevereiro, em homenagem ao deus Pã, matador da loba que aleitara os irmãos Rômulo e Remo, fundadores de Roma, segundo a lenda.

Nesses festejos, celebrava-se o princípio da fecundidade. Durante as comemorações das lupercais, untados em sangue e lavados com leite, os lupercos nus, com uma pele de bode aos ombros, saíam pelas ruas batendo nos pedestres com uma correia de couro.

As mulheres grávidas saíam às ruas e se ofereciam às correadas na esperança de escaparem às dores do parto. Por outro lado, as mulheres com o desejo de ter um filho também procuravam ser atingidas pelos golpes das correias dos lupercos, na esperança de virem a engravidar.

Como todos esses festejos já estavam de tal modo implantados nos costumes no momento do aparecimento do cristianismo, a Igreja só teve uma saída: adotou-os, e ao mesmo tempo procurou santificá-los. 

De fato, o Carnaval parece ter tido origem nessas antiquíssimas comemorações pagãs, em geral de grande alegria e liberalidade, que eram celebradas durante a passagem do ano e\ou com objetivos de anunciar a próxima chegada da primavera.

O tempo de regozijo ia desde a Epifania até Quarta-feira de Cinzas. Com o tempo, essa festa acabou limitada aos últimos (quatro) dias que antecediam o início da Quaresma, período de 40 dias que vai de quarta-feira de cinzas até o domingo de Páscoa, e durante os quais os católicos e ortodoxos fazem sua penitência.

O período carnavalesco oscilou e ainda oscila segundo as tradições de cada país. Assim, parece que ele se iniciou primitivamente na Idade Média, em 25 de Dezembro, incluindo a festa de Natal, o dia de Ano Novo e a Epifania (6 de Janeiro). Mais tarde, passou a ser comemorado desde o dia de Reis, um dia antes das Cinzas. Em alguns lugares da Espanha, sua comemoração inclui também a quarta-feira de Cinzas.

Micareta
Em alguns países só se comemora na terça-feira, ao passo que aqui no Brasil é festejado na sexta, no sábado, domingo, segunda e terça-feira. Na Bahia, comemora-se o Carnaval também na quinta-feira da terceira semana da Quaresma.

Trata-se de micareta, festa popular carnavalesca que tem sua origem na Mi- carême, uma festa francesa, e que ganhou o significado no Brasil de "Carnaval fora de época".

Esses festejos de Janeiro e Fevereiro, ligados às antigas cerimonias pagãs de abertura de Janeiro e Fevereiro, foram associados, como já demonstraram peritos em folclore, às festas cristãs. Não eram simplesmente desprovidos de significação mais profunda, como se poderia supor inicialmente.

Na verdade, as festas populares cíclicas dos países cristãos, que serviam para abrir o ano e anunciar a vinda da primavera, estão intimamente associadas ao fenômeno astronômico do solstício de inverno, no Hemisfério Norte, de onde surgiram todas estas práticas.

As igrejas católicas e ortodoxas herdaram tais festas ou rituais do mundo pagão, que por sua vez, as teria recebido do Oriente. Assim, na realidade as regiões não apresentam as mesmas mudanças metereológicas. Ao contrário, em virtude da inversão de estações entre os hemisférios Norte, são celebradas, no Hemisfério Sul, em pleno verão.

O carnaval é um ritual que surge da crença e gratidão de nossos ancestrais ao observarem os céus e tirarem suas conclusões a respeito da agricultura, e que mais pra frente ganha significado para aqueles que vivem uma dura realidade e se entorpecem nos excessos. 

"...E o que resta hoje é só o dar adeus à carne pela falta de sentido..."

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