Nos últimos tempos, percebo que um fenômeno vem tomando lugar nas prateleiras das livrarias: a existência de uma enorme quantidade de livros de auto-ajuda para crianças.
Aparentemente, qualquer situação que possa ser
difícil para uma criança enfrentar já tem disponível o seu “manual”, que
esclarece de modo curto, simples e direto à criança o que é preciso ser feito,
dito e pensado.
Por volta dos anos 2000, numa época onde os pais muitas vezes não estão
preparados ou não possuem tempo para se dedicar a ajudar as crianças a lidarem
com os diversos tipos de situações que as afligem, surge a auto-ajuda infantil,
que se dedica a suprir essas necessidades das crianças de forma que elas mesmas
possam cuidar e ajudar a si próprias.
Como diz Melissa Cristina Asbahr, pedagoga e mestre em educação, a produção do gênero auto-ajuda faz parte de um contexto de "indústria de massa", onde qualquer mal-estar deve ser curado ou evitado e "ser feliz" é um direito - quase dever - transformado em artefato de consumo, cuja demanda é atendida pelos livros de auto-ajuda.
Tratando de temas e situações comuns na infância – para um público a partir de 2 anos -, os livros utilizam a típica linguagem de auto-ajuda, dando receitas de sucesso e incentivando a valorização do “eu” – fortalece-se o sentimento de auto-estima e positividade em relação a si mesmo - para a superação das dificuldades.
Tratando de temas e situações comuns na infância – para um público a partir de 2 anos -, os livros utilizam a típica linguagem de auto-ajuda, dando receitas de sucesso e incentivando a valorização do “eu” – fortalece-se o sentimento de auto-estima e positividade em relação a si mesmo - para a superação das dificuldades.
Os livros de auto-ajuda infantil dispensam a
intervenção de um adulto ou uma história que ensine metaforicamente. Fala-se diretamente à criança sobre o que se deve fazer em cada situação, como se existisse uma receita de "como se viver" - é claro que tão preciosas informações possuem um preço.
Os títulos não deixam dúvidas sobre o caráter dos
livros, indo desde os sutis “Tenho Duas Casas”, “Ninguém é Perfeito” e “Gosto
de Ser eu Mesmo” até os mais diretos como “Quando Acontecem Coisas Más”,
“Quando a Mãe e o Pai se Divorciam”, “Aprender a Ser Um Bom Amigo” e “Quando Um
dos Avós Morre”, que já explicitam em quais situações devem ser utilizados.
A linguagem rica que marca os livros infantis – de
literatura, preocupados com a estética e enriquecimento do vocabulário ao
retratar uma história – dá lugar à redundância e imperatividade dos incontáveis
“faça”, “tente” e “seja” típicos dos livros de auto-ajuda.
Além disso, os “conselhos” são dados sem qualquer
explicação: a criança é impelida a fazer tal coisa, mas não lhe é explicado o
porquê desse ato – fora as “explicações” do tipo “assim você se sentirá
melhor”. Esse modo de lidar com problemas, condicionando comportamentos, sem o raciocínio que ilumina a conclusão, se trasformará em uma armadilha para futuros problemas, que não terão suas respostas nos livros de auto-ajuda.
Outra característica dos livros de auto-ajuda é a constante valorização de si mesmo e pouca conscientização do outro, algo bem presente na série de livros “Se Ligue em Você”, de Luiz Antonio Gasparetto. Usando o pseudônimo de “Tio Gaspa” para aproximar-se do público infantil, o autor ensina à criança como manter acesa sua “luzinha” interior.
A descrição do segundo livro da série diz que “Quando
a gente põe os óculos do orgulho, enxerga tudo com a cabeça cheia de ilusões. O
tio Gaspa ensina você a rir por dentro para se defender das pessoas que gostam
de usar esses óculos.”
Ou seja, os outros estão iludidos e você deve
procurar dentro de si um modo de não ligar para eles. Para “Tio Gaspa”, “rindo
por dentro”, as crianças percebem que as dificuldades de relacionamento podem
ser superadas a partir de uma mudança de atitude em relação a si.
Ora, a criança deve aprender a entender o outro, não
ignorá-lo e preocupar-se apenas consigo. As crianças, naturalmente, já têm
dificuldade em perceber o outro e mesmo a si mesmas, e é esta percepção um
grande desafio que lhes permite modificar seus atos e atitudes – percebendo o
outro, entendemos a sociedade e o porquê de diversos comportamentos a serem
adotados neste meio.
A linguagem com que o autor – falo especificamente do
livro em questão, mas essa é uma tendência na maioria dos livros de auto-ajuda
infantil – trata a criança é infantilizada, utilizando diminutivos e
redundância que não são naturais da fala da criança, mas estereótipos de
tratamento infantilizado dispensado a elas.
Um trecho do Livro 2 da coleção “Se Ligue Em Você”
exemplifica o que foi dito acima:
“Você não é bonitinho nem feinho. Você não é esperto nem bobo, você não é o que os outros dizem de você. (...) Você é só do seu jeitinho. Você é único.” |
Outra marca deste tipo de livro é a utilização de
imagens para reafirmar o que é dito, não para questionar ou complementar o
texto. Isso torna a mensagem ainda mais imperativa e sem espaço para erros –
mostra-se exatamente o que a criança deve fazer.
O texto de auto-ajuda ainda não permite à criança que
reflita sobre os motivos de tomar quaisquer atitudes, sendo bombardeada por ordens embasadas apenas na autoridade
de quem lhe fala – seja o autor, um personagem ou o adulto que lê - e não em
argumentos.
Um exemplo disso é o livro “Quando Estou Sozinho”, de
Tova Navarra, onde são dadas instruções sobre o que fazer em diversas situações
em que a criança pode se encontrar sozinha e não saber o que fazer. Entre
estas, estão situações tão diversas quanto o caso de cair um dente ou entrar
uma farpa no dedo, atender o telefone e ouvir uma voz estranha, fazer xixi na
cama ou se deparar com estranhos oferecendo doces ou drogas.
No livro, além de se reunirem temas tão distantes,
não há uma abordagem profunda sobre nenhum dos eventos, explicações sobre o
motivo de acontecerem ou do porquê aquele é o melhor modo de agir – há apenas
explicações superficiais e que visam o imediatismo da ação ao invés da reflexão
sobre a situação.
Apesar de todos estes livros buscarem ajudar a
criança a superar uma dificuldade, pouco ou nada é ensinado. A criança pode até
vir a seguir esta ou aquela instrução, mas não tem maturidade o suficiente para
manter-se fiel a um programa de auto-policiamento e muito menos se dedicar a
uma “busca interior”.
Diversos livros infantis (me refiro à literatura)
tratam de temas delicados e importantes para as crianças, sem para isso
precisarem dizer a elas o modo como devem comportar-se. A diferença é que ao
embarcar no mundo dos personagens, as crianças assimilam e compreendem os
problemas retratados, recriando o sentido da história internamente, pois
sentem-se parte dela.
Apesar de tudo isso, em diversas escolas, os livros
de auto-ajuda infantil vem sendo utilizados pelos professores como remédio para
todo e qualquer problema apresentado pelos alunos, sem que se perceba que é a
compreensão e não a imposição que leva à mudança da atitude das crianças.
Há quem diga que os livros de auto-ajuda infantil
supririam a lacuna de comunicação desta época, onde os pais não tem tempo
suficiente para conversar com os filhos de maneira adequada, que por sua vez
vêem-se estressados por diversas atividades.
Mas não seria uma das funções a serem exercidas pelos
pais – ou outros adultos experientes - lidar com os problemas enfrentados por
seus filhos, dando-lhes apoio e explicando-lhes sobre a vida?
As crianças não têm maturidade suficiente para
entender e lidar com as situações sozinhas, não possuindo repertório emocional
suficiente, por isso precisam de orientação e questionamentos que as façam
formular as raízes e soluções de seus problemas.
Além disso, a auto-estima das crianças não é
conquistada através de instruções e positividade, mas se responsabilizando por
seus atos e tendo autonomia para construir-se enquanto pessoa.
O primordial é lembrar-se que este tipo de livro dá
fórmulas do que é certo ou errado, bom ou mal. E o importante para a criança é
que ela seja estimulada a pensar, e não ser sugestionada por valores prontos a
serem incutidos em sua cabeça - condicionando-a como um rato de laboratório.
Concordo plenamente, nossas crianças precisam pensar mais e ser mais autônomas! E não ficarem condicionadas a um modelo de pensamento....
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