sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

AUTO-AJUDA INFANTIL


Nos últimos tempos, percebo que um fenômeno vem tomando lugar nas prateleiras das livrarias: a existência de uma enorme quantidade de livros de auto-ajuda para crianças.

Aparentemente, qualquer situação que possa ser difícil para uma criança enfrentar já tem disponível o seu “manual”, que esclarece de modo curto, simples e direto à criança o que é preciso ser feito, dito e pensado.

Por volta dos anos 2000, numa época onde os pais muitas vezes não estão preparados ou não possuem tempo para se dedicar a ajudar as crianças a lidarem com os diversos tipos de situações que as afligem, surge a auto-ajuda infantil, que se dedica a suprir essas necessidades das crianças de forma que elas mesmas possam cuidar e ajudar a si próprias.
 
Como diz Melissa Cristina Asbahr, pedagoga e mestre em educação, a produção do gênero auto-ajuda faz parte de um contexto de "indústria de massa", onde qualquer mal-estar deve ser curado ou evitado e "ser feliz" é um direito - quase dever - transformado em artefato de consumo, cuja demanda é atendida pelos livros de auto-ajuda.

Tratando de temas e situações comuns na infância – para um público a partir de 2 anos -, os livros utilizam a típica linguagem de auto-ajuda, dando receitas de sucesso e incentivando a valorização do “eu” – fortalece-se o sentimento de auto-estima e positividade em relação a si mesmo - para a superação das dificuldades.

Os livros de auto-ajuda infantil dispensam a intervenção de um adulto ou uma história que ensine metaforicamente. Fala-se diretamente à criança sobre o que se deve fazer em cada situação, como se existisse uma receita de "como se viver" - é claro que tão preciosas informações possuem um preço.

Os títulos não deixam dúvidas sobre o caráter dos livros, indo desde os sutis “Tenho Duas Casas”, “Ninguém é Perfeito” e “Gosto de Ser eu Mesmo” até os mais diretos como “Quando Acontecem Coisas Más”, “Quando a Mãe e o Pai se Divorciam”, “Aprender a Ser Um Bom Amigo” e “Quando Um dos Avós Morre”, que já explicitam em quais situações devem ser utilizados.

A linguagem rica que marca os livros infantis – de literatura, preocupados com a estética e enriquecimento do vocabulário ao retratar uma história – dá lugar à redundância e imperatividade dos incontáveis “faça”, “tente” e “seja” típicos dos livros de auto-ajuda.

Além disso, os “conselhos” são dados sem qualquer explicação: a criança é impelida a fazer tal coisa, mas não lhe é explicado o porquê desse ato – fora as “explicações” do tipo “assim você se sentirá melhor”. Esse modo de lidar com problemas, condicionando comportamentos, sem o raciocínio que ilumina a conclusão, se trasformará em uma armadilha para futuros problemas, que não terão suas respostas nos livros de auto-ajuda.

 

Outra característica dos livros de auto-ajuda é a constante valorização de si mesmo e pouca conscientização do outro, algo bem presente na série de livros “Se Ligue em Você”, de Luiz Antonio Gasparetto. Usando o pseudônimo de “Tio Gaspa” para aproximar-se do público infantil, o autor ensina à criança como manter acesa sua “luzinha” interior.

A descrição do segundo livro da série diz que “Quando a gente põe os óculos do orgulho, enxerga tudo com a cabeça cheia de ilusões. O tio Gaspa ensina você a rir por dentro para se defender das pessoas que gostam de usar esses óculos.”

Ou seja, os outros estão iludidos e você deve procurar dentro de si um modo de não ligar para eles. Para “Tio Gaspa”, “rindo por dentro”, as crianças percebem que as dificuldades de relacionamento podem ser superadas a partir de uma mudança de atitude em relação a si.

Ora, a criança deve aprender a entender o outro, não ignorá-lo e preocupar-se apenas consigo. As crianças, naturalmente, já têm dificuldade em perceber o outro e mesmo a si mesmas, e é esta percepção um grande desafio que lhes permite modificar seus atos e atitudes – percebendo o outro, entendemos a sociedade e o porquê de diversos comportamentos a serem adotados neste meio.

A linguagem com que o autor – falo especificamente do livro em questão, mas essa é uma tendência na maioria dos livros de auto-ajuda infantil – trata a criança é infantilizada, utilizando diminutivos e redundância que não são naturais da fala da criança, mas estereótipos de tratamento infantilizado dispensado a elas.

Um trecho do Livro 2 da coleção “Se Ligue Em Você” exemplifica o que foi dito acima:

“Você não é bonitinho nem feinho. Você não é esperto nem bobo, você não é o que os outros dizem de você. (...) Você é só do seu jeitinho. Você é único.”

Outra marca deste tipo de livro é a utilização de imagens para reafirmar o que é dito, não para questionar ou complementar o texto. Isso torna a mensagem ainda mais imperativa e sem espaço para erros – mostra-se exatamente o que a criança deve fazer.

O texto de auto-ajuda ainda não permite à criança que reflita sobre os motivos de tomar quaisquer atitudes, sendo bombardeada por ordens embasadas apenas na autoridade de quem lhe fala – seja o autor, um personagem ou o adulto que lê - e não em argumentos.

Um exemplo disso é o livro “Quando Estou Sozinho”, de Tova Navarra, onde são dadas instruções sobre o que fazer em diversas situações em que a criança pode se encontrar sozinha e não saber o que fazer. Entre estas, estão situações tão diversas quanto o caso de cair um dente ou entrar uma farpa no dedo, atender o telefone e ouvir uma voz estranha, fazer xixi na cama ou se deparar com estranhos oferecendo doces ou drogas.

No livro, além de se reunirem temas tão distantes, não há uma abordagem profunda sobre nenhum dos eventos, explicações sobre o motivo de acontecerem ou do porquê aquele é o melhor modo de agir – há apenas explicações superficiais e que visam o imediatismo da ação ao invés da reflexão sobre a situação.

Apesar de todos estes livros buscarem ajudar a criança a superar uma dificuldade, pouco ou nada é ensinado. A criança pode até vir a seguir esta ou aquela instrução, mas não tem maturidade o suficiente para manter-se fiel a um programa de auto-policiamento e muito menos se dedicar a uma “busca interior”.

Diversos livros infantis (me refiro à literatura) tratam de temas delicados e importantes para as crianças, sem para isso precisarem dizer a elas o modo como devem comportar-se. A diferença é que ao embarcar no mundo dos personagens, as crianças assimilam e compreendem os problemas retratados, recriando o sentido da história internamente, pois sentem-se parte dela.

Apesar de tudo isso, em diversas escolas, os livros de auto-ajuda infantil vem sendo utilizados pelos professores como remédio para todo e qualquer problema apresentado pelos alunos, sem que se perceba que é a compreensão e não a imposição que leva à mudança da atitude das crianças.

Há quem diga que os livros de auto-ajuda infantil supririam a lacuna de comunicação desta época, onde os pais não tem tempo suficiente para conversar com os filhos de maneira adequada, que por sua vez vêem-se estressados por diversas atividades.

Mas não seria uma das funções a serem exercidas pelos pais – ou outros adultos experientes - lidar com os problemas enfrentados por seus filhos, dando-lhes apoio e explicando-lhes sobre a vida?

As crianças não têm maturidade suficiente para entender e lidar com as situações sozinhas, não possuindo repertório emocional suficiente, por isso precisam de orientação e questionamentos que as façam formular as raízes e soluções de seus problemas.

Além disso, a auto-estima das crianças não é conquistada através de instruções e positividade, mas se responsabilizando por seus atos e tendo autonomia para construir-se enquanto pessoa.

O primordial é lembrar-se que este tipo de livro dá fórmulas do que é certo ou errado, bom ou mal. E o importante para a criança é que ela seja estimulada a pensar, e não ser sugestionada por valores prontos a serem incutidos em sua cabeça - condicionando-a como um rato de laboratório.

Um comentário:

  1. Concordo plenamente, nossas crianças precisam pensar mais e ser mais autônomas! E não ficarem condicionadas a um modelo de pensamento....

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