quinta-feira, 25 de março de 2010

O DESENHO INFANTIL


                                                                       O cavalo de Thais Gurnel


A Psicologia Moderna considera o desenho infantil como um conjunto de considerações sociológicas e ideológicas. É quase impossível discernir o que se deve à cultura e o que pertence propriamente dito à criança.

Os estudos indicam em comum que as atividades de cunho artístico dos adultos têm repercussão sobre o meio da criança: assim, os anúncios publicitários, as vitrines e até o mobiliário difundem modos de expressão lançados há vinte ou trinta anos; há sempre essa assimilação e essa difusão das atividades artísticas, e a criança é muito sensível a essa forma de comunicação.

A confusão do desenho infantil não é obrigatoriamente decorrente de uma confusão de coisas diante de sua visão; a criança não olha desse modo o que desenha. Mas admitirmos que muitas vezes seu desenho espontâneo é a reprodução de sua visão interior das coisas, a pouca precisão do desenho não é significante. Neste sentido, seu desenho exprime globalmente, portanto, a sua percepção.

Não há imitação estrita da natureza; o que há é sempre uma expressão, pois se trata de transpor para um único plano o que vemos em profundidade. A perspectiva geométrica nos reflete fielmente nossa visão porque uma longa tradição artística prestigiou este procedimento. Portanto, quando a criança usa outro procedimento de representação – por exemplo, um cubo representado por quatro ou cinco quadrados justapostos -, cabe considerar que está havendo uma representação tão válida quanto o desenho em perspectiva: a criança não considera os quadrados justapostos como se estivessem num mesmo plano.

Somos nós que estamos habituados com sua “chave”.

Ao contrário de nomes consideráveis da psicologia pedagógica como Piaget e Luquet, Merleau-Ponty considera que nada nos autoriza a considerar nosso modo de representação (geométrico) como o único válido e como o “mais próximo” da realidade percebida.
Portanto, é preciso entender que o desenho infantil nunca será considerado como uma cópia do mundo que se oferece à criança, mas como um ensaio de expressão.

Merleau-Ponty, psicólogo fenomenológico, compara o estágio do desenho infantil com o desenvolvimento da fala. Inicialmente, a criança apenas imita a linguagem em geral, as palavras ditas ao seu redor, seu jeito, seu ritmo, sem realmente pronunciar palavras. O mesmo acontece com o desenho. A criança imita o modo como observa um indivíduo se posicionar para desenhar, ritmo e jeito, não se importando com o que esta riscando no papel (o verdadeiro propósito) – daí que surge aquele amontoado de rabiscos. Então, depois ela se apercebe das vagas semelhanças com um objeto e interpreta seu desenho dizendo, por exemplo, “é um cavalo”.

Merleau-Ponty afirma que um grande problema que acontece na academia de psicologia é o fato de julgarem o desenho infantil de acordo com o desenvolvimento do futuro do desenho – imaginado pela perspectiva do adulto. Obrigados através destas lacunas a considerar uma desatenção por parte da criança – juntamente com descrições negativas. Isto é combatido dentro da própria Gestalt da psicologia, que diz que a atenção se dá de acordo com a estrutura do campo perceptivo mental atual da pessoa.

Existem áreas dentro da psicologia que acreditam que a criança faz de conta que não vê os traços que ultrapassam bruscamente os contornos de seu desenho, no entanto, talvez esse olhar que percebe os traços fora do contorno, estejam excluídos mentalmente (de modo que os traços rabiscados para fora do contorno não façam diferença alguma na construção da realidade que a criança vê diante do mundo). Realmente excluídos de sua percepção, talvez por um fenômeno comparável ao que nos faz deixar de ver o objeto procurado que está diante de nossos olhos quando estamos cansados, com pressa – com a cabeça em outro lugar.

O desenho da criança se apresenta em um modo de síntese diferente do padrão adulto.

A criança constrói seus desenhos sem uma noção de tempo estabelecida. A sua falta de compreensão de tempo condiciona naturalmente uma visão atemporal – sendo assim também com espaços paralelos, diferentes em um mesmo desenho, e inclusive em um mesmo personagem. Por exemplo, um sol e uma lua em um mesmo desenho, ou duas bocas em um rosto, uma aberta e outra fechada.

Não devemos nos esquecer que nossa perspectiva geométrica é incompreensível para alguns primitivos tanto quanto nos parece com o desenho infantil.

O modo de comunicação do desenho infantil é diferente do nosso, um modo, sobretudo, afetivo. Para a criança há continuidade entre as coisa e sua representação gráfica.

Ela tenta representar a coisa em si. O objeto físico e o valor de conhecimento que possui dele. O desenho é uma expressão do mundo, e não uma imitação – simples cópia. O desenho expressa quem percebe e a coisa percebida.

Ainda não existe esse mecanismo de virtualidade na criança, que nos faz considerar naturalmente o signo da coisa como sendo o seu significante social. Para ela, ainda é percebível a coisa” e o que considerará em relação a ela – já que tudo ainda é muito desconhecido e não muito experienciado por ela. Não existe a ligação física, estritamente ligada à moral.

Da mesma forma que a palavra não é a coisa designada, ela percebe que o desenho não é a coisa observada.

É natural para a criança tentar simbolizar o seu desenho já que ela não possui muita, ou quase nenhuma compreensão sobre a coisa observada. E isso a leva a considerar que apenas aquele desenho não levará ninguém à compreensão alguma, pois é apenas um vazio.

Isso explica o fato do porque se assemelha tão pouco com o modelo exterior.

A psicologia da Freud, juntamente com a de Piaget e Luquet, é muito criticada por George Politzer, que utiliza uma analogia sexual, muito utilizada por freudianos, para melhor compreensão da psicologia infantil. Se alguém sonha com uma casa, não pensa de imediato, nos órgãos sexuais; pensa diretamente na casa, que é imediatamente um signo de expressão sexual para aquela pessoa.

Para a compreensão do adulto diante o olhar da criança, é necessário desvincular-se dos objetos e atitudes convencionais, e encarar as coisas como estimulantes de afetividade, e não apenas como objeto de conhecimento.

A atitude em psicologia da criança é aquela que visa a obter, por meio da exploração exata dos fenômenos infantis e dos fenômenos adultos, uma exploração fiel das relações entre a criança e o adulto, tais como elas se estabelecem efetivamente na própria investigação psicológica.

A verdadeira objetividade não consiste em tratar do alto a experiência infantil e convertê-la num sistema de conceitos impenetráveis para nós, mas em investigar as relações vivas entre a criança e o adulto, de tal maneira que se evidencie o que lhes permite comunicar-se.

Um comentário:

  1. Faltou as referências, a maior parte desse ótimo texto está em Merleau-Ponty "Psicologia e pedagogia da criança" (2006, versão da Martins Fontes) Mais especificamente no capítulo Estrutura e Conflitos da consciência infantil. Abraço

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