quarta-feira, 15 de abril de 2009

Leave the kids alone!


“As crianças, têm o direito humano de não ter a cabeça aleijada pela exposição às péssimas idéias de outras pessoas — não importa quem sejam essas outras pessoas. Os pais, da mesma maneira, não possuem permissão divina para aculturar os filhos do modo que bem quiserem: não têm o direito de limitar os horizontes do conhecimento dos filhos, de criá-los numa atmosfera de dogma e superstição, ou de insistir que eles sigam os caminhos estreitos e predefinidos de sua própria fé.
Em resumo, as crianças têm o direito de não ter a cabeça confundida por absurdos, e nós, como sociedade, temos o dever de protegê-las disso. Portanto não devemos permitir que os pais ensinem os filhos a acreditar, por exemplo, na veracidade literal da Bíblia ou que os planetas governam sua vida, assim como não permitimos que eles arranquem os dentes dos filhos ou os tranquem num calabouço.” - Nicholas Humphrey



Existe a convicção de que os pais têm o direito de criar seus filhos da maneira que acharem melhor. Este, um valor que é transmitido incessantemente pela sociedade.

Nos mamíferos e nas aves que precisam cuidar de seus filhotes, o instinto de protegê-los de qualquer interferência externa é universal – eles arriscam a vida se preciso para salvar os filhotes, sejam as ameaças reais ou imaginárias, como um reflexo.

Neste caso, podemos “sentir” que os pais têm sim o direito natural de criar seus filhos da maneira que quiserem e protegê-los do que acharem nocivo.

Claro que ninguém que utilize esse argumento leva em conta que os animais fazem isso apenas para a preservação de seus genes. (Para saber mais sobre isso, ler a postagem “Egoísmo X Altruísmo – O egoísta é sempre o outro?”)

O fato é que se disseminou e prevalece a idéia de que nada deve se interpor entre os pais e seus filhos, afinal esse é o núcleo dos “valores de família”.

Mas os pais não são donos de seus filhos (como os donos de escravos eram possuidores de escravos) mas, ao contrário, são (ou deveriam ser) seus guardiões, ou zeladores de seu bem-estar, o que implica que as pessoas de fora têm o direito de interferir quando isso não é o que acontece.

Isso implica que os pais não são os detentores da verdade em relação aos filhos e que sim, têm-se o direito de intervirmos nas relações entre eles quando são prejudiciais.
Mas quando os pais ouvem isso e sentem que está sendo questionado o que eles “sentem no sangue” e que é difícil defender com a razão, eles ficam irritados, defensivos, e ficam à procura de algo atrás do qual se esconder e apoiar.

E o que seria melhor para isso do que um valor que – exatamente por ser um valor – é inquestionável?

“Somos os pais - dirão eles – e ninguém tem o direito de dizer como devo agir com meu filho, pois eu sei o que é melhor para ele. Como gente de fora pode querer dizer como eu tenho que criar o meu filho?”
Claramente vemos que o sentimento de posse se mostra em detrimento da guarda e bem-estar da criança, que deveria ser a função da paternidade.

É estranho se pensarmos que tantas pessoas defendem que uma criança ainda na barriga da mãe tem o direito à vida e não pode ser abortada, mas não se importam que quando nasça ela perca esse direito ficando totalmente entregue ao que quer que os pais queiram fazer com ela, seja doutrinar, fazer lavagem cerebral ou manipular emocionalmente!


As crianças são extremamente manipuláveis por sua credulidade, já que não tem o senso crítico desenvolvido e confiam na autoridade das pessoas que as cercam.

O cérebro delas é pré-programado para apreender todas as informações transferidas a ela em pouquíssimo tempo, e com isso é difícil impedir ao mesmo tempo a entrada de informações prejudiciais que os adultos impediriam sem esforço.
E por isso é de se esperar que cérebros de crianças sejam crédulos e vulneráveis a qualquer sugestão.

Um exemplo disso é o caso de Marjoe Gortner, que foi “o mais jovem ministro ordenado do mundo”, aos 4 anos de idade.

Marjoe teve um nascimento difícil - ele quase foi estrangulado pelo cordão umbilical - e o obstetra disse a sua mãe que apenas por um milagre a criança havia sobrevivido.
Assim “Marjoe”, – junção dos nomes “Maria e José” – assumiu sua posição na extremidade de uma longa linhagem de ministros evangélicos.

Desde muito pequeno suas habilidades de pregação foram meticulosamente cultivadas. Antes de dizer “mamãe” e “papai”, Marjoe aprendeu a entoar “Aleluia!”.
Aos nove meses de idade sua mãe o ensinou a gritar “oh, glória!” no microfone.
Aos 3 anos de idade, ele sabia pregar o evangelho de memória, e recebia aulas de interpretação dramática em todo tipo de arte performática, de solo de saxofone a manejo de bastão em desfiles.

Com 4 anos de idade, Marjoe foi oficialmente ordenado ao ministério e lançado numa carreira extraordinariamente bem-sucedida.
A “Criança Miraculosa” deixava multidões em pranto e estado de “êxtase religioso”. “É um pequeno milagre, um prodígio de Deus” diziam os fiéis sobre o garotinho.

Mas a verdade é que graças a um treinamento cuidadoso, uma disciplina severa e a insaciável ambição de sua mãe, os sermões de Marjoe eram impecavelmente memorizados: cada palavra, cada pausa, cada gesto. “Aleluias” e “améns” pontuavam com freqüência as suas performances, que eram astuciosamente planejadas com suas curas de fé miraculosas - até para ele - e tão cativantes que enchiam até a borda os pratos de coleta da igreja.

Marjoe considera o que passou como praticamente uma lavagem cerebral, onde não teve ao menos tempo para ser criança. Na adolescência, ele foi se desiludindo diante da encenação de seus poderes divinos, deixou o movimento evangélico em busca de meios de sustento mais legítimos e fez parte de uma banda de rock. Mas em seguida voltou para o circuito evangélico com o objetivo de gravar seu documentário-denúncia “Marjoe” - um daqueles filmes francos que toca áreas profundamente sensíveis da moralidade americana.

Gravado em 1971 e ganhador do Oscar no ano seguinte, o documentário revela os milenares truques que Marjoe utilizava e expõe as características de indústria do entretenimento que tornaram o evangelismo um movimento popular de enorme sucesso comercial.

Mas e quanto a todas as outras crianças que passam por imposições e manipulações mas que, ao contrário de Marjoe, nunca têm a oportunidade de entender o que lhes foi feito?

Ninguém conhece realmente o poder de recuperação de uma criança.
Há evidências de jovens que viram as costas às tradições a que estiveram submersos durante anos, sem nenhum dano.
Por outro lado, há crianças que são feitas prisioneiras ideológicas de tal modo que se tornam suas próprias carcereiras mais tarde, se recusando a ter conhecimentos que poderiam lhes abrir e mudar a mente.


Há pesquisas sobre várias variáveis na infância, como a nutrição, o aprendizado da linguagem, o comportamento, etc.
Porque não se avalia o modo como os pais estão formando essas crianças e o que estão fazendo para garantir-lhes informação e conhecimento necessários para que mais tarde ela possa ser uma pessoa esclarecida, crítica e livre?

Novamente, porque isso seria invadir os “valores” e a “autonomia” dos pais em relação a seus próprios filhos.
Mas quem deveria consentir para isso ser realizado seriam os pais ou os filhos?
Ambos estão envolvidos nessa relação, e os mais prejudicados é óbvio que serão sempre as crianças.

Não deveríamos fechar os olhos e achar que deixar os filhos totalmente entregues aos pais é benigno, pois sabemos que essa privacidade da vida em família encobre práticas nas quais os pais submetem os filhos a tratamentos que os mandariam para a prisão, se não fosse com o filho deles (como castigos violentos e ofensas, por exemplo).

O que dizer ainda dos casos de violência sexual e maus-tratos de todos os tipos que os filhos sofrem dos próprios pais ou outros parentes próximos?

Um estudo das Nações Unidas sobre a violência contra crianças mostrou que a violência ainda prevalece em todos os países do mundo, estando presente em qualquer cultura, classe, nível de escolaridade, faixa de renda e origem étnica.
Em várias regiões, a violência contra crianças é aprovada e, freqüentemente, legal.



O estudo mostra também que a legislação se concentra em penalidades apenas contra a violência sexual ou física praticada contra crianças, não levando em consideração a violência psicológica e emocional.



Cerca de 100 países não proíbem o uso de castigos corporais nas escolas, 147 não os proíbem em instituições assistenciais alternativas e até hoje, somente 16 proibiram esse tipo de castigo no lar.


Temos que deixar de lado quaisquer coisas que possam impedir que as crianças tenham as condições de vida a que têm direito e necessidade.


Por volta de 1950, um médico denunciou os perigos que as crianças corriam com o fumo de segunda mão ao ficarem expostas à fumaça dos cigarros que os pais fumavam dentro de casa.
Todos riram e se perguntaram “O que uma fumacinha dessas pode fazer de mal?”
Hoje sabemos o mal que causa.

A venda de bebidas alcoólicas é proibida a menores de idade – com idades mínimas variantes de país para país – mas o que acontece com os pais que dão bebidas a seus filhos dentro de casa?

Esses 2 casos acima servem para mostrar que é ilusório pensar que os pais, por tomarem decisões “adultas” e baseadas em suas experiências, estejam com a razão.
Embora eles tenham alcançado a idade para consentir e tomar decisões “por sua livre escolha”, suas percepções do que é correto e bom são suas, produtos apenas de sua própria fé perceptiva, e seus filhos serão vítimas da sua ignorância.

O filósofo Sam Harris exemplifica: “É como mamãe dizendo que vovó morreu e foi para o céu. A verdade é que mamãe está mentindo, para si própria e para seus filhos, e a maioria de nós encara tal comportamento como se fosse perfeitamente normal. Em vez de ensinarmos as crianças a lidarem com o sofrimento e serem felizes apesar da realidade da morte, optamos por alimentar seu poder de se iludir e se enganar.”

Que chances essas crianças terão se não fizermos nada e os deixarmos à mercê das convicções e ignorâncias daqueles que deveriam estar lhes protegendo e formando?

Devemos deixar que as crianças sejam submetidas a isso por causa de uma falsa moral que só faz esconder os abusos contra esses pequenos seres humanos indefesos?



É certo deixá-las nas mãos de seres ignorantes e opressores apenas porque foram eles que as deram a vida, se não foram nem ao menos elas quem pediram por isso?
Você deixaria alguém beber um veneno apenas porque foi alguém em que ele confia quem deu a ele para beber?

O direito à liberdade é espalhado pelo mundo, mas não para as crianças.
Nenhuma criança tem direito à liberdade de doutrinação, de pensamento, de ser.
Não é claro que deveríamos mudar isso?

Todos nós deveríamos nos sentir incomodados ao ouvir uma criança pequena sendo rotulada como pertencente a uma ou outra religião específica.

Afinal as crianças são jovens demais para tomar decisões fundamentais sobre suas opiniões a respeito da origem do mundo, da vida ou da moral, como defende Richard Dawkins dizendo que “O simples termo ‘criança cristã’ ou ‘criança muçulmana’ deveria soar como unhas arranhando uma lousa.”


E Daniel Dennett completa “Imagine se identificássemos as crianças como crianças fumantes ou bebedoras, porque seus pais o são?”

Todos têm direito de tomarem suas próprias decisões.
Mas essas decisões precisam ser decisões informadas e muito bem pensadas.
E as crianças não têm como tomar decisões ainda pequenas, não têm informações suficientes para isso.

O que dizer a elas então?
TUDO.

Ensinem religião a elas, mas ensinem sobre todas e as deixem pensar sobre isso, do mesmo modo como ensinaria história ou filosofia.

Elas precisam saber que têm opções, em tudo, e que tudo tem um motivo.
Nada tem como resposta “porque sim”, ou “porque eu estou dizendo”.
Que absurdo pensar em tais respostas, não?!

Afinal, se você tiver de ludibriar ou tapar os olhos de seus filhos para que eles confirmem as coisas em que você acredita, deveria pensar melhor e se perguntar se não é exatamente a mesma coisa que foi feita com você.
E você realmente não quer ser enganado e privado das escolhas certas, e não vai querer fazer isso com seus filhos, não é?

Mas, mesmo se – sabe-se lá por qual motivo – a resposta for sim, pelo amor de Deus, use suas convicções apenas para você e, por favor, deixe as crianças em paz!

8 comentários:

  1. Totalmente concordo !
    As crianças nao merecem o modo como sao tratadas!
    Deixem as crianças em paz !!

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  2. Muito interessante, gostei!
    Parabéns!
    bjOs

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  3. Nossa geração foi criada por pais que sempre foram passionais e com valores retrógrados (pelo menos a grande maioria) e esta geração, só terá conserto por suas próprias mãos...
    Cabe à nós mudarmos as próximas gerações...vale sempre aquela máxima que diz: "Não faça aos outros, o que você não gostaria que fizessem com você".
    No mais, excelente texto, e assunto muito bem escolhido.
    Abraços sr. Éder!

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  4. Não sou a favor de total liberdade não, nem de contar tudo as crianças logo de início porque pode haver consequencias trágicas, mas já passei por isso em casa, por ser mais nova e ter 3 irmaos mais velhos, não foi só meu pai e minha mãe q me privaram das minhas escolhas, mas já me livrei disso.. quebrei isso em casa há uns anos, ainda bem! Até entendo a preocupação de todos, por ter mais experiências do que eu, pensam que sabe o que é melhor pra mim, mas escuto todos os conselhos, e depois penso no que faço, alguns dos conselhos eu sigo, e as vezes que minha mãe e meu pai me privaram de certas coisas eu agradeço, pois vi outras pessoas seguindo certo caminho e só se ferraram, certas coisas valem a pena abrir mão, pq tbm pode ter graves consequências, mas acho que em toda família uma hora, as pessoas acabam descobrindo o mundo e fazendo suas escolhas... quanto a religião, quando era mais nova minha mãe queria que eu seguisse a dela, eu segui até quando fui obrigada.. depois conheci outras e me dei conta que não queria seguir nenhuma delas, só perda de tempo! em relação a amizades a mesma coisa, vi que não é que não posso nem falar com fulano.. posso sim! é que certas pessoas servem pra amizade... outras só pra oi e tchau, outras só pra sair e etc. Enfim, acho que falei demais, e adorei esse texto!

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  5. Muito bom, parabens Kelly!
    Sou a favor de deixar as crianças livres para serem o que bem entenderem independente da vontade de seus pais, eh uma crueldade fazer as crianças passarem pelo q passam.
    Perfeito o texto!

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  6. Isso ae!
    Tb estou de acordo
    As crianças tem direito de serem livres da ignorancia dos pais e de qualquer outra pessoa
    Texto muito bom.

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  7. Concordo que as crianças tem direito a serem livres para fazer suas próprias escolhas, mas ñ acho q o ensinamento da existência de um Deus a limite de ter uma ampla percepção de mundo. Novos estudos comprovam q acreditar está no DNA humano. Logo quando criamos uma criança ensinando q ñ existe fé, estamos lutando contra nosso próprio cérebro. A fé ñ é uma coisa ruim exceto quando se torna uma imposição. Os pais podem sim ensinar uma determinada religião para as crianças, mas ñ podem impor isso a elas. Cabe a elas o poder da escolha. Não podem dizer q elas tem q seguir aquilo e pronto. Devem mostrar o ideal deles e também as infinitas opções q a criança tem. É impossível criar um filho sem o influenciar com suas próprias ideias.
    A revista Época do mês de março publicou uma reportagem especial falando sobre como a fé faz bem para a saúde e pra vida social das pessoas. A reportagem conta q há evidências de q os sistemas religiosos ajudam a manter comunidades reunidas- a dividir, a confiar, a manter redes sociais mais fortes.

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