A alfabetização foi, durante
muito tempo, tratada como algo mecânico, transmitida sem nenhuma relação com o
mundo para as crianças, que se viam obrigadas a decorar sons, sílabas e conexões
sem sentido. Mas, felizmente, novas maneiras de se ver e pensar a alfabetização
foram ganhando forma nas últimas décadas, modificando os caminhos utilizados
para o ensino e a aprendizagem da leitura-e-escrita pelas crianças, e trazendo
importantes reflexões sobre as concepções desse processo e como isso afeta o
desempenho e evolução das crianças na escola.
Antes de mais nada, é preciso significar para compreender.
Devemos iniciar
a discussão diferenciando as concepções de escrita como representação da língua
(quando a aprendizagem torna-se uma apropriação de um novo objeto de
conhecimento) ou como código de transcrição gráfica das unidades sonoras
(quando a aprendizagem é vista como a aquisição de uma técnica), já frisando
que a invenção da escrita foi um processo histórico de construção de um sistema
de representação, não um processo de codificação – assim é evidenciado o erro
em tratar a alfabetização como algo mecânico e descontextualizado.
Como diz a psicóloga e pedagoga
argentina Emília Ferreiro, os professores devem se dar conta de que as crianças
não precisam de permissão para aprender, mas já entram na escola sabendo
coisas, sendo que este “saber” se define como a construção de concepções que a
criança faz para explicar fenômenos ou objetos da realidade, e que não
necessariamente coincidem com o “saber” socialmente válido, mas que não podem
ser desconsideradas, já que fazem parte do modo como as crianças vêem o mundo e
constroem seus conhecimentos.
Emília critica o modo tradicional
de se considerar a escrita infantil, onde a atenção é dada aos aspectos
gráficos como a qualidade do traço, distribuição espacial e orientação
predominante, ao invés de dar importância aos aspectos construtivos, prezando-se
o que se quer representar e os meios que são utilizados para diferenciar as
representações.
Seguindo por esse modelo de
pensamento que preza a intenção da criança, há uma linha de evolução
surpreendentemente regular, que passa por 3 grandes períodos: a distinção entre
representação icônica e não-icônica, depois a construção de formas de
diferenciação e, então, a fonetização da escrita.
Ao invés de se discutir sobre os melhores
métodos a se utilizar na alfabetização, o que é importante é que se tenha em
mente as concepções que as crianças têm sobre o sistema de escrita, ou seja, o
modo como elas aprendem.
Mas, para isso ser possível, é preciso abandonar a visão do adulto e tentar compreender o modo como as crianças vivenciam a aprendizagem da escrita – é preciso colocar-se no lugar delas e esquecer as concepções já formadas que temos sobre a escrita, o que não é nada fácil uma vez que já a aprendemos.
Mas, para isso ser possível, é preciso abandonar a visão do adulto e tentar compreender o modo como as crianças vivenciam a aprendizagem da escrita – é preciso colocar-se no lugar delas e esquecer as concepções já formadas que temos sobre a escrita, o que não é nada fácil uma vez que já a aprendemos.
É por isso que as mudanças
necessárias na alfabetização não vêm de novos métodos, novos testes ou novos materiais
didáticos, mas sim de uma mudança de ponto de vista, uma mudança de paradigma e
concepção de alfabetização, reanalizando-se as práticas de introdução da língua
escrita. Resumidamente, o que é necessário é uma revolução conceitual a
respeito da alfabetização.
A aprendizagem da língua escrita se
insere em um sistema de concepções previamente elaboradas, não podendo ser
reduzida a um conjunto de técnicas perceptivo-motoras, mas sendo anterior e
indo além disso. Existe um processo de aquisição da linguagem escrita que
precede e excede os limites escolares, diferenciando as crianças em relação ao
que cada uma delas entende por escrita. Não tendo a mesma visão que os adultos
têm da escrita, as crianças constroem hipóteses próprias em relação a esta,
como as da quantidade mínima e de variedade interna de caracteres, que se
reproduzem na mente infantil.
É necessário que tenhamos sensibilidade
e sejamos atentos às necessidades das crianças quando entram em contato com a
escrita, pois sua aprendizagem supõe um grande esforço por parte das crianças,
além de um grande período de tempo e muitas dificuldades, especialmente quando
a criança em questão não teve muito contato com a escrita em sua vida
extra-escolar e, portanto, não vivencia o seu sentido e função social.
Como podemos observar, a criança
que nasce em um meio letrado é influenciada por uma série de ações, através de
interações entre adultos, de adultos com crianças e crianças entre si e, assim,
criam-se condições para a inteligibilidade dos símbolos, ou seja, a criança conhece
a função social da escrita.
O professor deve, então, minorar as carências das crianças não letradas, que não tiveram essa riqueza de interações, devendo adaptar seu ponto de vista ao dessas crianças e não despreza-las, auxiliando-as na construção desses conhecimentos prévios que têm suma importância no entendimento da leitura e escrita, essencial para o pleno desenvolvimento do processo de alfabetização.
O professor deve, então, minorar as carências das crianças não letradas, que não tiveram essa riqueza de interações, devendo adaptar seu ponto de vista ao dessas crianças e não despreza-las, auxiliando-as na construção desses conhecimentos prévios que têm suma importância no entendimento da leitura e escrita, essencial para o pleno desenvolvimento do processo de alfabetização.
Levando isso em consideração, o
papel da escola não deveria ser o de dar inicialmente todas as chaves do
sistema alfabético às crianças, mas sim o de criar condições para que as
crianças descubram por si mesmas a importância e o significado da escrita,
querendo apropriar-se desses conhecimentos para deles fazer uso.
Nesse processo, os professores devem
estar alerta para não cometerem erros como achar que a escrita remete óbvia e
naturalmente à linguagem (o que não é real), menosprezar os conhecimentos das
crianças (que são extremamente importantes na construção de novos
conhecimentos), desvalorizar os esforços das crianças para compreender o
sistema de escrita, interpretar em termos de certo ou errado esses esforços de
compreensão iniciais, reduzir a escrita a um objeto de natureza gráfica ou à
reprodução de traçados (o que significa extrair-lhe todo o significado e
função) e classificar em termos de simples ou complexos os problemas que a
criança enfrenta em sua evolução.
Além disso, é preciso tomar cuidado para não dirigir-se apenas às crianças que já compartilhem alguns dos conhecimentos já estabelecidos, deixando de lado as que estão em níveis anteriores - pois isto seria condená-las ao fracasso. Com o passar do tempo, os conhecimentos não apreendidos tornarão-se pré-requisito para a compreensão daqueles que ainda estão por vir, deixando as crianças expostas a um efeito dominó .
Além disso, é preciso tomar cuidado para não dirigir-se apenas às crianças que já compartilhem alguns dos conhecimentos já estabelecidos, deixando de lado as que estão em níveis anteriores - pois isto seria condená-las ao fracasso. Com o passar do tempo, os conhecimentos não apreendidos tornarão-se pré-requisito para a compreensão daqueles que ainda estão por vir, deixando as crianças expostas a um efeito dominó .
Emília Ferreiro nos leva a pensar
sobre o desenvolvimento da leitura e da escrita, que começa muito antes da
escolarização, já que desde que nascem as crianças são construtoras de
conhecimento. Assim, há uma série de passos ordenados que a criança segue antes
de poder compreender a natureza de nosso sistema alfabético de escrita, sendo
que cada passo caracteriza-se por esquemas conceituais específicos, cujo
desenvolvimento e transformação constituem nosso principal objeto de estudo ao
adotarmos o ponto de vista do sujeito em desenvolvimento. É errôneo e inútil
admitir que as crianças são obrigadas a chegar à escola já alfabetizadas, pois é
a escola quem tem a responsabilidade social de alfabetizá-las e não se pode, portanto,
excluir as crianças que chegam em níveis anteriores.
O ensino da leitura-e-escrita na
pré-escola deve dar importância ao letramento para o pleno entendimento da
escrita pela criança, pois percebemos que não tem sentido deixar a criança
distante da língua escrita enquanto ainda não está “pronta” para aprendê-la e
nem fazer exercícios de motricidade e perceptivos, pois o nível cognitivo é o
que se envolve nesse processo.
Assim, o papel da pré-escola deve
ser permitir às crianças o entendimento do sentido que o ato de ler e escrever
possui, constituindo-se em um ambiente rico em informações e possibilidades de
se aprender e compreender o sistema de escrita.
Por fim, o primordial em se
tratando de alfabetização é que as crianças compreendam a natureza do sistema
de escrita que a sociedade lhe oferece, devendo reconstruir esse sistema
internamente, em vez de recebê-lo como um conhecimento pré-elaborado.
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